sexta-feira, 10 de junho de 2016

Cidadania de poltrona

Sempre ouvi dizer que Portugal é um país de brandos costumes. Não sei ao certo a origem deste enunciado. Tampouco encontro uma razão para desdizê-lo. Muito pelo contrário!
Dos vários sinónimos que poderemos encontrar da palavra “costume”, ressaltam “hábito”, “rotina” ou “prática”. Por arrasto, teremos “exercício”, “desempenho”, “acção” ou “intervenção”. E aqui chego a um conceito que me é muito caro: “cidadania”.
Já por inúmeras vezes versei este conceito em vários espaços editoriais. Simplificando, poder-se-á definir “cidadania” como uma acção ou prática reflexiva e concertada, num determinado espaço e momento, com o propósito de alcançar um bem comum. Refiro-me, naturalmente, a uma cidadania democrática e participativa, acalentada por causas e valores comuns e superiores.
Espero não estar a ser injusto, e tampouco tomar uma posição sobranceira sobre o que cada um pensa, mas entendo que comparativamente com gerações anteriores, em especial com aquelas que viveram de perto o período revolucionário pós 25 de Abril, em que efectivamente existiu um tempo de forte intervenção pública e política na construção da democracia e de um Estado social, e exceptuando ainda alguns casos pontuais, aqui e ali, o presente e o passado recente tem demonstrado uma certa apatia, resignação ou comodismo da turba. Se nalguns casos, e devido aos diferentes tipos de “iliteracia” que os enclausura, até compreendo a inércia revelada, já noutros, que têm à sua disposição meios e instrumentos de conhecimento e acção, que lhes permitem fazer-se ouvir e dar um contributo, mesmo que modesto, para que algo mude para melhor, essa mesma inércia deixa de ser compreensível.
No meu espaço de trabalho, chega a ser por vezes confrangedor ouvir certos comentários infundados (e até contraditórios) sobre certas questões ou temas pertinentes da actualidade política, social ou educativa. Não raras vezes se limitam a depreciar tudo e todos aqueles que tão-só fazem uso do seu direito de intervir na coisa pública. No caso da classe docente, como certamente acontecerá noutras classes profissionais, o bode expiatório acaba quase sempre por ser os sindicatos. Mas quando são chamados a dar a sua opinião ou contributo para um melhor sindicalismo e para melhores condições de trabalho, é vê-los a assobiar para o lado! Qualquer desculpa serve para bater em retirada. Até uma simples petição em defesa da escola pública declinam em assinar! Quiçá por desconhecerem o que ela significa ou representa, o que é lamentável! Que dizer então da participação numa manifestação? Já sobre a actividade sindical em concreto, qualquer docente pode estar ao corrente dela, bastando para tal ler as revistas destas organizações, que se encontram espalhadas nas salas dos professores (das escolas públicas, é claro!) ou consultar os seus sites.
Um pouco menos de indolência e mais interesse e respeito pela história e papel dos sindicatos na sociedade, seguramente que contribuiria para reduzir a ignorância de muitos sobre as várias e preciosas conquistas sociais e laborais conseguidas desde a sua origem, no século XIX. Como o dissera uma vez numa entrevista televisiva, há pouco anos, o antigo secretário-geral da CGTP, Carvalho da Silva, “a democracia muito deve aos sindicatos”.
Dir-me-ão, e com razão, que nem tudo o que os sindicatos fazem é bem feito. Nem sempre tomam ou tomaram as melhores decisões ao longo da sua história. É verdade. Mas isso é o que acontece exactamente com outros tipos de organizações, sejam elas de natureza política, social, solidária, cultural, etc. Mas uma coisa é certa, quando da luta sindical e dos seus apoiantes resultam ganhos, estes são para todos… mesmo para aqueles que não se levantaram do sofá!
Para os críticos desavindos dos sindicatos, fieis praticantes de uma “cidadania de poltrona”, unicamente preocupados com o recheio da sua “despensa privada”, sugiro que experimentem viver e trabalhar num país onde não os haja!