terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Do berço à universidade e mais além

Com um título bastante sugestivo, “Os ‘pais-helicóptero’ já chegaram à universidade”, o Expresso publicava, no seu número de 10 de Novembro, um artigo sobre a ingerência crescente dos pais na vida académica dos seus filhos. Não sendo, de todo, surpresa para mim, assim como, julgo eu, para a generalidade dos professores dos vários níveis de ensino, o artigo em questão não deixa de revelar algumas curiosidades. Entre outros testemunhos, nele são apresentados relatos de professores universitários, que são contactados pelos pais dos alunos, especialmente através de correio electrónico, para fazerem as mais variadas, e até insólitas, reclamações.
As intromissões passam pela reclamação de notas, pela falta de vagas numa disciplina opcional, pela não equivalência em determinadas disciplinas, etc. Passam igualmente pela manifestação da preocupação com o bem-estar dos filhos, onde não faltam, pasme-se, sugestões para uma melhor integração social dos noviços, ou então uma apreensão com a empregabilidade do curso escolhido!
Vários professores universitários têm manifestado perplexidade e preocupação com a diminuição da maturidade dos seus alunos, em comparação com gerações anteriores, que, dizem, tem-se vindo a acentuar nos últimos anos. Notam-no sobretudo no comportamento manifestado durante as aulas, mais característico da adolescência. A directora dos Serviços de Gestão do Ensino do ISCTE testemunha isso mesmo, relatando que o problema começa logo nas matrículas e se estende ao longo do ano lectivo. Conta que os alunos não são capazes de tratar de situações simples, revelam falta de maturidade e autonomia, menor capacidade para tomar decisões ou de lidar com o imprevisto ou a adversidade, e daí a presença constante dos pais.
Esta tendência de controlo dos pais não é de agora, vem de trás. No referido artigo, a socióloga Lia Pappamikail, investigadora do Observatório Permanente da Juventude da Universidade de Lisboa, salienta que o envolvimento parental na vida escolar dos filhos tem aumentado nas últimas décadas, proporcionalmente ao crescimento da importância social atribuída às qualificações e da habilitação média dos pais. São ainda apresentados indicadores estatísticos que confirmam o acompanhamento parental até idades cada vez mais tardias. E, como o explica a socióloga Maria João Valente Rosa, as razões não são apenas económicas, mas também culturais, dando o exemplo da forma como são actualmente constituídas as famílias, sendo boa parte delas monoparentais. Certo é que este hiperproteccionismo não abona nada a favor do crescimento, da maturidade e da independência dos jovens, diminuindo-lhes a capacidade de enfrentarem os desafios da vida. O psiquiatra Daniel Sampaio toca neste problema, quando assevera que “Níveis exagerados de controlo parental traduzem-se, inevitavelmente, numa maior imaturidade, que os deixa menos preparados para lidar com a vida”.
Como o referi no início deste texto, a realidade aqui descrita não me causa surpresa, pela razão de a constatar no meu quotidiano profissional, no ensino básico e secundário, desde há muito. Mas o que mais me preocupa é o entorpecimento a que assisto à minha volta, ao “assobiar para o lado” de todos ou quase todos, de cima a baixo, enquanto o problema se agrava, receando mesmo que se chegue a um ponto de não retorno. O melhor exemplo que posso dar prende-se com a avaliação pedagógica. Hoje, um professor de uma qualquer disciplina, na hora de atribuir uma nota a um determinado aluno, tem de estar preparado para um provável escrutínio por parte dos seus colegas, em conselho de turma, acerca da seriedade da sua avaliação, mormente por recearem uma eventual reclamação da parte do respectivo encarregado de educação. Sobretudo se a nota for negativa. Portanto, o ónus da prova recai, não no aluno que não teve um desempenho que se impunha, mas, sim, no professor! Isto faz franzir o sobrolho sobre o grau de confiança entre colegas! Daí que não poderia estar mais de acordo com Paulo Guinote, quando diz que a avaliação dos alunos “não passa de um enorme atestado de desconfiança em relação ao trabalho dos docentes, à sua competência pedagógica e à sua autonomia profissional.” (JL, nº1387) Os alunos, independentemente da faixa etária ou nível de ensino em que se encontrem, só poderão amadurecer, é este o termo, se forem confrontados com as vicissitudes da vida. Quanto mais tarde os pais tomarem consciência desta evidência, pior será para o futuro dos seus filhos. É disso que nos dá conta Raquel Varela, professora universitária, quando partilha as seguintes palavras: “Quando falo com os meus filhos sobre a importância fundamental da Escola explico-lhes que há essencialmente duas formas de aprender na vida: apoiando-nos no que os nossos melhores professores, pais e mestres nos ensinaram – e eles vão transmitindo o saber acumulado ao longo da história da humanidade – ou às custas dos nossos erros individuais, por tentativa e erro, ou seja, caindo, sozinhos. E meditar sobre a dor.” (Jornal i, 28/01/2023)