terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

O respeitinho é muito bonito

Uma das palavras de ordem que mais se tem ouvido nas manifestações dos professores, dirigida ao governo, é “RESPEITO”. Grosso modo, respeito pelas condições de trabalho e carreira docente. Mas o que me traz por cá é outro patamar de respeito, melhor dizendo, a falta dele para com os professores, mas da parte dos pais. Digo “pais”, e não “encarregados de educação”, porque a realidade actual dá conta de que são cada vez mais raros os que efectivamente se encarregam da educação dos seus filhos, especialmente no que toca a valores. Temos sim, como diz António Cortez, professor, num artigo do DN (17/01/2023), “pais fanatizados pelo endeusamento dos filhos.”
Hoje em dia, a velha expressão “o respeitinho é muito bonito”, tantas vezes proferida em tempos idos pelos nossos pais e avós, parece não passar de uma memória longínqua. E que tanta falta tem feito! Desde há alguns anos a autoridade dos professores tem sido posta em causa paulatinamente e de forma alarmante. Sem escrúpulos, quantas vezes de forma vil, pegando em questões do mais mesquinho que se possa imaginar, tudo serve para denegrir ou condicionar o trabalho e a autoridade do professor.
Se atentarmos criticamente no que tem sido a evolução das sociedades nas últimas 2/3 décadas, não haverá surpresa sobre esta realidade, que ameaça tornar-se um flagelo. As razões dos comportamentos desrespeitosos de muitos pais para com os professores são de vária ordem. Mas a mais determinante foi certamente a mudança do paradigma de socialização das crianças e jovens. Sobre esta questão, Pacheco Pereira, num artigo publicado no Público (21/01/2023), faz uma síntese certeira, que eu não resisto a transcrever. Diz o historiador que “há poucas décadas, a escola competia com a família na socialização dos alunos e, nalgumas áreas mais pobres, competia com a rua […], não havia a epidemia do “défice de atenção”.” Entretanto, acrescenta, deu-se o “enfraquecimento da socialização familiar”. Veio aquilo que ele chama de “tempestade perfeita”, “que ameaça seriamente o papel da escola, incapaz de competir com uma ecologia social cada vez mais hostil, que põe em causa a capacidade da escola de ser um factor eficaz de socialização, já para não falar de aprendizagem.” O autor alerta para “a destruição da capacidade de atenção pela rapidez da imagem dos jogos desde a infância, a deseducação do valor do tempo lento, do silêncio, do saber, da leitura, a ignorância agressiva das redes sociais (...).”
Muitas crianças e jovens não têm a atenção em casa que lhes é devida. Com o advento da internet e das redes sociais, vivem mergulhados num mundo virtual, sem filtros, sem nenhum escrutínio parental, muitas vezes lado a lado com os pais, também eles frequentadores dessas redes, às vezes utilizadas, já agora, para injuriar, de forma cobarde, os professores. Se é verdade que alguns deles educam os seus filhos para os valores, para o cumprimento de regras, para o respeito por outrem, para a disciplina, outros há que não se dão minimamente a esse trabalho e obrigação sua. Bem a propósito, o ex-ministro da Educação David Justino, na sua última aula na Universidade Nova de Lisboa, ocorrida a 13 de Janeiro, antes da jubilação, dizia: “Torna-se difícil para mim entender a educação que não assente no conhecimento e na cultura, no esforço e no rigor, na exigência e na disciplina.” Ao encontro desta declaração vão igualmente as palavras de Francisco Assis (Expresso - 20/01/2023) quando refere, cito, que “Os professores sentem-se profundamente desrespeitados. Há um problema existencial de quem se sente permanentemente posto em causa pela comunidade em geral, pelos pais, pelos alunos. O ensino pressupõe disciplina e autodisciplina, rigor e exigência. […] Há hoje uma infantilização e uma juvenilização excessiva da sociedade que leva à cretinice. O problema é que caminhamos no sentido de uma certa cretinice, e essa cretinice tem consequências do ponto vista do ambiente escolar.” Estamos perante a desvalorização do professor como fonte de saber e do seu papel fundamental na transformação da sociedade. Apesar desta realidade nua e crua e das perspectivas pouco optimistas, sobram ainda alguns professores que ainda resistem, como é o meu caso, que não abdicam da ordem, respeito, disciplina e empenho na sala de aula, quiçá ancorados naquele conhecido verso do velho poema “Trova do vento que passa”, de Manuel Alegre, notavelmente cantado por Adriano Correia de Oliveira, e que dizia, “Há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não”.