sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Queixumes...


Há poucas semanas, mais precisamente no dia 16 de Novembro, tivemos a honra de receber no nosso concelho o ministro da educação, Nuno Crato. O motivo da visita, recordemos, foi o da inauguração do pavilhão desportivo de Pedras Salgadas, sito junto à sede do Agrupamento de Escolas desta vila. Apesar de a recepção ter incluído a animação habitual, digo, música, oferendas, rituais e os discursos da praxe, tal não foi suficiente para evitar que o ministro da educação soltasse um queixume. É verdade! Entretanto, o nosso presidente Domingos Dias, sempre arguto e atento ao que o rodeia, e como que adivinhando o lamento do ministro, teve o cuidado de incluir no cabaz que lhe foi oferecido a nossa famosa Água das Pedras, para, como o próprio disse, “ajudar à digestão”. Não sei se não terá havido aqui alguma ironia pérfida por parte do nosso edil, pois, na realidade, a actualidade política e económica do nosso país não está para boas digestões, seja para que ministro for!
Mas voltemos atrás. Na verdade, o desabafo do ministro teve certamente a ver com o facto de o próprio estar habituado a recepções bem mais calorosas do que aquela que lhe foi propiciada na nossa terra. Nuno Crato confessou que ficou surpreendido por não ter sido recebido com queixumes pela população local. De facto, isto não é coisa que se faça a tão insigne figura do Estado!
Ora nós, como bons transmontanos, e sobretudo como bons aguiarenses, que temos a fama de bem receber os nossos visitantes, sejam eles da plebe ou da nobreza, deveríamos e tínhamos a obrigação de ter feito mais e melhor, proporcionando uma verdadeira e merecida moldura humana. Não fora o secretismo (diga-se, tacanho) que envolveu a visita de Nuno Crato à nossa terra, preconizado pelas entidades organizadoras, e seguramente que o auditório não se teria ficado por algumas dezenas de espectadores mas, sim, por muitas centenas. São oportunidades que não se podem perder.
Ainda que reconhecidamente calamitosas as políticas educativas que o nosso ministro da educação tem preconizado (desinvestimento, empobrecimento curricular, aumento da centralização da educação, despedimento em massa de professores, promoção do elitismo, etc.), esta não é, porém, razão suficiente para não se lhe ter proporcionado um acolhimento mais fogoso. Talvez seja por isso que o mesmo tenha sido tão parco nas palavras!
Apesar do secretismo bacoco que guarneceu a visita do ministro, temperado com um programa déjà vue, ou seja, repisado, quero deixar bem claro que não se trata de desconsiderar quem, com tanto esmero, deu o seu melhor para receber a dita figura de Estado. Longe de mim tal ideia! As entidades, personagens e figurantes envolvidos na recepção a Nuno Crato merecem o meu maior respeito e as maiores felicitações. E se deram o seu melhor, mais não se lhe pode pedir. Como diz o ditado: “Quem dá o que pode, a mais não é obrigado”. Por outro lado, e ainda sobre este ponto, há sempre a expectativa de que o futuro próximo nos possa trazer outros protagonistas, e com eles formas mais distintas de receber os nossos visitantes.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

E vão 5!

Exactamente, este mês comemoram-se os 5 anos de existência deste blogue! Diga-se, em abono da verdade, que o mundo nunca mais foi o mesmo! Desde Novembro de 2007 sucederam-se um conjunto de acontecimentos mundiais, cuja minha mão não esteve alheia. Poderia citar uma infinidade deles, mas tal tornar-se-ia demasiado maçador, mais para mim do que para vocês! Assim sendo, prefiro tocar-vos num tema que sei vos é particularmente mais sensível, e que por conseguinte desperta o mais prioritário dos vossos interesses. Refiro-me, obviamente, à minha pessoa. Exactamente, a minha pessoa! Eu próprio tenho o desejo irrefreável de a conhecer. Infelizmente, quando mais esgravato, mais confuso fico acerca dela! Por outro lado temo que me venha a desapontar. Logo, prefiro que sejam vocês a fazer esse exercício de psicanálise, ou se preferirem, de obscurantismo, e a tirar as ilações que bem entenderem, inclusive as abusivas.
Não tentem fazê-lo através dos meus vídeos, pois o protagonista de sempre é um duplo que contratei. Não tentem através das páginas do meu currículo de montanha ou vitae, logo à cabeça do blogue, pois trata-se de pura ficção. Muito menos o façam através dos meus escritos, no arquivo do mesmo, na coluna da direita, pois em todos eles eu encontrava-me em estado de profunda embriaguez.
Então o que fazemos? Bem!, sugiro-vos que deitem os olhos ao slideshow, que se encontra abaixo deste texto, que ilustra, na sua grande maioria, algumas das minhas actividades de montanha, o meu ópio!, decorridas ao longo deste ano, pese embora nalgumas delas não tenha atingido o principal objectivo de um alpinista: atingir o cume da montanha. Mas nem por isso deixei de retirar grandes e frutuosas lições. Da base ao topo, mesmo quando não alcançado, a nossa atenção é muitas vezes atraída e surpreendida por uma série de significâncias, que põem a descoberto várias insignificâncias de que por vezes somos cativos! 

sábado, 13 de outubro de 2012

Bigbrother em versão escolar


Não é de forma alguma consensual e pacífica a discussão entre os partidários e os opositores da videovigilância nas escolas. Por um lado há os que defendem que esta vem reforçar o controlo sobre a indisciplina, violência e pequenos furtos; por outro há os que advogam que ela constitui uma forma de violar a privacidade de professores, alunos e funcionários.
Até à data não tenho conhecimento de que essas medidas de fiscalização tenham surtido efeito, entenda-se, que tenham contribuído para uma diminuição significativa da “delinquência” juvenil nas escolas. O que sei é que em países que foram pioneiros neste tipo de medidas securitárias chegou-se ao ponto, hoje, de termos a polícia a entrar armada dentro das escolas para deter e arrastar para fora das salas de aula alunos mal comportados, por vezes algemados, e a levá-los para a esquadra, como se verifica, por exemplo, nos EUA!
Analisando de fora para dentro, da sociedade para o interior da escola, é o Estado Securitário que, sob a encenação de um clima social em rotura, vem uma vez mais sobrepor-se ao Estado Social, que se encontra em franco declínio. Ao invés de privilegiar o combate à interioridade e/ou isolamento das populações, a melhoria de equipamentos escolares, as ofertas socioeducativas ou o reforço das equipas educativas na escola, temas utilizados apenas em discursos prosaicos e de circunstância, aposta-se, antes, numa política de vigilância, qual “bigbrother” em versão escolar, que controle cada passo dado pelos transeuntes que circulam no espaço escolar. Ao invés de apostar numa pedagogia de socialização, numa educação ética, no combate ao individualismo, na discussão e reflexão sobre os grandes dilemas morais, ou mesmo sobre os “cancros” da política, a prioridade parece encaminhar-se para a “perseguição” e punição dos presumíveis infractores. Tal como lembra Luís Fernandes (2001) [1], é caso para perguntar: “É a violência da sociedade que se infiltra na escola ou é esta que, por disfuncionamento interno, gera aquela?”.
De nada servirão Projectos Educativos com nomes sonantes, recheados de boas intenções, se depois não houver pessoas sérias e competentes, capazes de reunir as condições, as vontades e os recursos necessários, e se não se proporcionar, sem demagogias, um ambiente saudável para desenvolver uma efectiva escola cidadã.
Voltando ao sistema de videovigilância, o mais caricato e insólito é que haja meios financeiros avultados [2] para instalar um sistema de câmaras para fiscalizar as movimentações da comunidade juvenil (e não só!), e não haja uns “trocos” para substituir uma lâmpada fundida, reparar um videoprojector ou um computador avariado, para instalar uma tomada que permitisse dar uso a equipamento eléctrico escolar por estrear, ou então reforçar o “plafond” da Acção Social Escolar dos alunos mais carenciados, só para citar alguns exemplos!
A insegurança que supostamente se pretende combater nas escolas não parece estar tanto nos comportamentos dos alunos, mas sim naqueles que carecem de uma visão lúcida e sistémica da realidade escolar e social e das reais necessidades educativas e cívicas, onde se incluem, claro está, os que parecem ter tempo sobrante para se dedicarem ao “voyeurismo”…
Face a esta realidade, parece mais adequado deixar-se de falar em “comunidade educativa”, para passar a falar-se em “comunidade suspeita”!


[1] FERNANDES, Luís (2001). Escola e Violência no Estado Securitário. In A Página da Educação, n.º 101, Ano 10, Abril, p. 7.
[2] O Projecto do M.E., iniciado em 2010, terá um custo de 24 milhões de euros, diluído ao longo de três anos.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Atentado ambiental


No passado dia 6 de Setembro todos aqueles que circulavam na estrada N2, entre Vila Pouca de Aguiar e Pedras Salgadas, puderam assistir àquilo que eu (e outros, eventualmente), e sem margem para dúvidas, designo de “atentado ambiental”, para além da falta de ética e de consciência cívica e ecológica verificadas. Na localidade de Nuzedo foram abatidos alguns plátanos centenários de manifesta boa saúde. Até ao momento da publicação deste texto as razões não são ainda conhecidas. Sabe-se quem abateu as ditas árvores, mas não quem deu a ordem e porque o fez. Um jornal concelhio já se apressou a noticiar o caso. Veremos o que dirá (e sobretudo como o dirá) o outro!
No nosso concelho tornou-se uma prática corrente abater árvores sem dó nem piedade. Como alguém já bem o disse, parece haver um horror às árvores e/ou zonas verdes, em especial por parte da Câmara Municipal. Qualquer remodelação de espaços urbanos acaba quase sempre, com maior ou menor impacto ambiental e estético, com o abate de árvores! Seria interessante saber a opinião de várias figuras distintas da classe política do nosso concelho, de técnicos, tais como engenheiros do ambiente ou arquitectos paisagistas, de vários agentes da sociedade civil, com maior ou menor responsabilidade na promoção e desenvolvimento da nossa terra, bem como, e ainda, de todo o aguiarense que tem verdadeiramente uma consciência cívica!
Voltando ao nosso caso, tal como já ocorrera noutras locais (veja-se o caso do hotel em construção na vila de Pedras Salgadas, frente à antiga estação de comboios), sempre que algumas árvores provoquem alguma sombra ou cortina indesejada a alguns proprietários de terrenos ou casas, ou um acumulado de folhas que a natureza, única mestra no equilíbrio do nosso planeta, decide fazer cair, eis que é dado livre transito para o abate das incómodas e malditas árvores.  
Estarão por detrás desta e de outras sábias e argutas deliberações as influências político-partidárias, que através dos seus meandros decide prestar alguns favores a amigos ou determinado tipo credores? Se é esse o caso, então continuamos tranquila e desinteressadamente a marchar no caminho diametralmente oposto ao da credibilização da classe política e, mais importante ainda, de uma verdadeira educação cívica do cidadão, que mudasse, de uma vez por todas, a mentalidade tacanha e oportunista que tem sido transversal às sucessivas gerações.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Mirabilia Regnum


Assim se chama a via de escalada que equipei e abri em solitário na serra do Marão, ainda recentemente. O nome não é mais do que a tradução para latim de “Reino Maravilhoso”, título do conhecido texto do escritor e poeta transmontano, Miguel Torga, que de uma forma singela quis homenagear.
Foram necessários oito dias de um árduo trabalho de limpeza e equipamento do itinerário projectado numa imponente parede de xisto, distribuídos ao longo de quatro semanas, para, no final, criar uma via de escalada com 120 metros de trajecto e 100 de desnível.
Situada relativamente próximo da N. S.ª da Serra, numa daquelas “muralhas” que majestosamente se erguem no alto do Marão, virada a nordeste, esta via proporciona um ambiente verdadeiramente alpino, não só pela sensação de aéreo que desperta desde o “cimo de Portugal”, como dizia Torga, como também pelas vistas magníficas sobre o “Reino”, que são de cortar a respiração.
Esta via, uma das maiores da região, reúne condições para proporcionar um bom treino para a escalada em big-wall, recomendável para os escaladores que pretendam atacar maiores desafios.
Para acederem a um vídeo que eu próprio realizei, que inclui uma breve apresentação de alguns dos momentos do trabalho de empreitada desenvolvido ao longo dos dias em que estive suspenso na parede, bem como a abertura da via, "clicar" AQUI. Para os escaladores interessados em obter informação acerca dos acessos à via, assim como da sua descrição, "clicar" AQUI.


sábado, 28 de julho de 2012

Preguiça...

Este árduo compromisso de publicar, pelo menos, um artigo por mês no meu blogue, leva-me a redigir umas breves palavras por pura obrigação, pois a preguiça que me assola é demasiada para apresentar algo de minimamente interessante e mais extenso! Contudo, prometo compensar no mês de Agosto. Ocorre-me apenas anunciar alguns dos meus projectos, que têm a ver, claro está, com a minha actividade de montanha.
Na próxima semana estarei alguns dias nos Picos de Europa para fazer uma escalada, um passeio pedestre e uma visita pelas redondezas. Para o mês de Agosto está prevista uma ida aos Alpes, local onde a estadia será certamente mais prolongada.
Quer num caso, quer noutro, as expectativas são elevadas, pois as escaladas em questão têm um grau de exigência considerável, sobretudo porque tenciono fazê-las em solitário. Espero apresentar, a seu tempo, os respectivos vídeos, para que os meus leitores/seguidores possam ter uma ideia geral das aventuras empreendidas.
Até lá, desejo a todos umas boas férias e… até breve!

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Um despacho para despachar…


O ano lectivo acaba de terminar e o próximo já se começa a desenhar. Contudo, as perspectivas não são as melhores. As medidas que o actual governo tem tomado fazem com que a grande nuvem negra, que há muito tempo paira sobre as escolas, se vá adensando. Um diploma recentemente publicado em Diário da República (Despacho Normativo n.º 13-A/2012, de 5 de Junho), que define a organização do próximo ano lectivo, levanta as maiores dúvidas e preocupações quanto ao futuro da educação. Sob a forma de um presente envenenado oferecido às escolas, o Ministro da Educação, Nuno Crato, juntamente com a sua equipa, urdiu um plano que terá como resultado mais imediato, o despedimento de milhares de professores. Os números oficiais serão conhecidos em Setembro.
Depois de uma revisão curricular recheada de contradições e de propósitos artificiosos, à qual se juntam a constituição de mega agrupamentos escolares e o aumento do número de alunos por turma – medidas única e puramente economicistas –, este novo documento traça uma nova sentença às escolas: despedimentos e enfraquecimento do edifício educativo. Valendo-se da flauta de Hamelin, Nuno Crato toca uma melodia, cuja letra vem recheada de palavras muito sonantes e sedutoras, com versos notáveis, tais como, e só para citar uns poucos, “estabelecer mecanismos de exercício da autonomia pedagógica e organizativa de cada escola”, “conferir maior flexibilidade na organização das actividades lectivas”, “aumentar a eficiência na distribuição do serviço”, “valorizar os resultados escolares”, com o sub-reptício propósito de enfeitiçar e encerrar na “caverna” directores de escolas e professores, à semelhança do que narra o conto folclórico alemão dos Irmãos Grimm, a que aludo. Mas, de facto, a palavra que mais se destaca, não só pela frequência com que surge no referido diploma, mas também, e como dizia, pela ilusão que pretende criar junto dos mais incautos, é a palavra “autonomia”. Apesar da mesma, e num primeiro momento, sugerir “liberdade” ou “independência”, a verdade é que, tal como muito bem resume o Professor Santana Castilho, ela não passa de “uma autonomia cínica (…), decretada, envenenada por normas, disposições, critérios e limites. Uma autonomia centralizadora, reguladora, castradora (…)”. Uma autonomia que visa “transferir para o director (que não é a escola) competências blindadas por uma burocracia refinada (…)”[1].
Dirigindo-se recentemente ao Ministro da Educação através de uma carta aberta, a propósito das medidas que vêm sendo adoptadas por este, Santana Castilho, a dada altura, diz o seguinte: “Passos Coelho encarregou-o, e o senhor aceitou, de recuperar o horizonte de Salazar e de a reduzir [a educação] a uma lógica melhorada do aprender a ler, escrever e contar”[2]. Pois, na verdade é o que assistimos hoje, quando este nosso governante nos vem falar de “disciplinas estruturantes” ou “fundamentais”, entenda-se, o Português e a Matemática, sobrevalorizando-as relativamente às demais, fazendo ainda renascer a cultura de exames formatados, selectivos e discriminatórios de outrora.
Com este novo despacho o Ministro da Educação vem objectivamente aumentar o horário de trabalho dos professores (uma matéria que o Estatuto da Carreira Docente obriga a negociação com os sindicatos); reduzir o tempo destinado a cargos de natureza pedagógica, como é o caso das trabalhosas e desgastantes direcções de turma; reduzir consideravelmente as horas disponíveis para a gestão das escolas; reduzir o tempo destinado ao desporto escolar, e, mais surpreendente ainda, determinar que os docentes possam leccionar qualquer disciplina, seja de que ciclo ou nível de ensino for, independentemente do grupo de recrutamento, bastando para tal que o docente seja detentor de “certificação de idoneidade”(!), e que o director aleatoriamente assim o decida.
Levanta-se a questão: como irão as escolas organizar o próximo ano lectivo? Vão os seus directores – que, como muito bem dizia Santana Castilho, não são a escola – seguir religiosamente a cartilha impingida pelo Ministério da Educação, ou terão a coragem e lucidez de desenvolver todos os esforços necessários para garantir, simultaneamente, os postos de trabalho de professores que são efectivamente necessários às escolas, um ambiente de trabalho saudável (que há muito anda arredado das escolas), e uma educação e formação que fomente o pensamento crítico, a cidadania participativa, a curiosidade científica, a criatividade, o conhecimento e o interesse pela arte, literatura e cultura?


[1] Cf. http://santanacastilho.blogspot.pt/
[2] Cf. http://santanacastilho.blogspot.pt/

segunda-feira, 14 de maio de 2012

A agenda do Ministro da Educação

“As desgraças das revoluções são dolorosas fatalidades, as desgraças dos maus governos são dolorosas infâmias”.

Eça de Queirós    
                                              
Num momento em que tanto se reclama a falta de valores e de cidadania na nossa sociedade, torna-se difícil, para não dizer inexplicável, as “reformas” que o nosso ministro da Educação, Nuno Crato, quer e está a implementar no nosso sistema de ensino. Ora, a palavra reforma, tal como o conceito sugere, pressupõe uma melhoria num determinado estado de coisas. Contudo, o que se constata, mais aquilo que se prevê a nível de políticas educativas vai precisamente no sentido contrário.
Comecemos por recuar uns tempos atrás e ver quem era Nuno Crato, antes de ter assumido em 2011 a pasta do Ministério da Educação, do Ensino Superior e da Ciência. Sem desconsiderar o seu currículo académico e profissional, o então professor universitário, investigador e comentador, desde logo deixava bem clara a sua opinião e posição quanto ao sistema de ensino português, quer através de vários textos publicados, quer em várias intervenções públicas.
Dominado por uma série de preconceitos para com a produção científica desenvolvida pelas Ciências da Educação e pelo trabalho desenvolvido nas escolas, bem como pelo neoconservadorismo, o discurso do comentador Nuno Crato assentava (como ainda assenta), basicamente, num alegado reino do facilitismo e indisciplina que se vivia nas escolas portuguesas; na abordagem de conteúdos ou temas que segundo o próprio não servem a verdadeiro mandato da escola; na incompetência docente e no (inconveniente) peso do Estado na Educação, tendo como claro propósito, atacar a escola pública.[1] Surpreende que um investigador académico, quando confrontado com este panorama, que o próprio traçava nesse momento, não se tenha disponibilizado para apresentar dados científicos ou estatísticos para defender a (sua) tese de que o ensino em Portugal atingira níveis mínimos de aprendizagem, preferindo imputar responsabilidades por essa ausência aos anteriores responsáveis pela mesma pasta que agora ocupa.[2] Curiosamente, a omissão de dados relevantes para compreender muitas das medidas que o agora ministro da Educação está a implementar, bem como de outras que se adivinham, tornou-se uma prática corrente por parte do ministério que o próprio dirige!
Para combater os tais “males” do sistema educativo, o ministro da Educação decidiu implementar uma revisão curricular, guarnecida por um conjunto de medidas complementares (com destaque para o aumento do número de alunos por turma e a constituição de mega agrupamentos escolares[3]), e assim levar a cabo a sua grande cruzada contra os que defendem uma escola pública como espaço privilegiado para a aprendizagem e prática da cidadania, da solidariedade, da cultura, da criação e do conhecimento, mais concretamente, os tais conteúdos e temas a que o ministro aludia. Para tal, cedo se apressou a extinguir a área curricular de Área de Projecto para o ano lectivo em curso, e agora, e a partir do próximo, a de Formação Cívica. Não surpreende de todo esta tomada de decisão, pois numa entrevista que o mesmo deu há pouco mais de um ano, na altura no papel de ideólogo e comentador, Nuno Crato dizia que a escola, segundo o pretexto de “criar cidadãos críticos, jovens cientistas, escritores activos, eleitores activos, com esses slogans grandiosos, esquece-se aquilo que é fundamental, que é transmitir conhecimentos básicos”.[4] Portanto, para o nosso ministro, o pensamento crítico, a curiosidade científica, a cidadania participativa, o interesse pela literatura e/ou cultura são questões menores ou de pouco interesse para a educação e formação integral do educando! Em suma, o paradigma educativo do ministro da Educação vai precisamente contra a missão histórica da escola enquanto instituição, diga-se, a formação de cidadãos e a transmissão de um legado histórico e cultural.
Ainda a respeito da revisão curricular, e rumando em sentido oposto do que se tem verificado em particular nos países mais desenvolvidos da Europa, preconizadores inclusive de experiências educativas inovadoras e exemplares, o nosso ministro da Educação decide menosprezar o ensino artístico e tecnológico. Fá-lo através da redução da carga horária de algumas das respectivas disciplinas, coloca algumas delas em situação de oferta de escola (ou seja, de carácter opcional), ou então fragmentando-as, desagregando, assim, conteúdos que se complementavam, tal como irá acontecer com a disciplina de Educação Visual e Tecnológica (do 2º ciclo do Ensino Básico), passando a existir a de Educação Visual e a de Educação Tecnológica, contrariando inclusive aquilo que o próprio defende no preâmbulo do documento da Revisão da Estrutura Curricular, ou seja, a não dispersão curricular! Curioso esta lógica e este tipo de cálculos, sobretudo vindo de um matemático!
O ministro da Educação fala-nos de uma “avaliação rigorosa”, que assenta basicamente na cultura de exames nacionais, essa sim, a verdadeira panaceia para responder aos maus resultados escolares, complementada pelos doutos rankings, que a comunicação social tanto gosta de glosar. Portanto, aqui parte-se do princípio que toda a avaliação formativa e sumativa, e séria, desenvolvida pelos professores, ao longo de todo o ano lectivo, aqueles que realmente conhecem a realidade de cada escola, de cada aluno e de cada meio, não merece credibilidade. Por isso, há que apostar num modelo que consiste, basicamente, e tal como sublinha Domingos Fernandes (2012), “em pensar-se que, definidas umas metas ou standards, estabelecendo os resultados esperados, basta utilizar uma medida, obtida tipicamente através de um exame, para avaliar ou representar a qualidade da educação”[5]. Em síntese, trata-se daquilo que poderíamos designar de um modelo de tamanho único, do tipo “prêt-à-porter”, em que o que conta é a quantificação. Só que o ministro esquece-se que nem tudo é quantificável, que nem tudo se reduz a números, que os exames não descrevem o conjunto das aprendizagens e saberes adquiridos pelo aluno.
A racionalidade subjacente à revisão da estrutura curricular do ministro da Educação comprometerá certamente a “vida” da escola, na medida em que deixará de haver tempo e lugar para a imaginação e a criatividade, para as artes e a cultura, para uma educação para os valores, para a compreensão dos desafios e dilemas contemporâneos, para a solidariedade, para a educação inter e multicultural, enfim, para uma cidadania democrática e participativa, consubstanciada numa prática reflexiva. Ao contrário, perspectiva-se uma directoria voltada para a preparação dos alunos para responderem acertadamente às perguntas dos exames. Tal como sublinha Domingos Fernandes (2012), “todo o tempo será pouco para se conseguir que a escola ‘fique bem’ na fotografia dos rankings produzidos pelas empresas da comunicação social”.[6] Ainda por cima, e para um ministro obcecado pela matemática, as metas que aponta para esta disciplina dificilmente serão atingidas, pois o próprio ignora que “um jovem desenvolvido em termos de autonomia na sua vida quotidiana tem mais capacidades para resolver situações problemáticas do que um jovem atulhado de explicações e horas semanais da disciplina, mas incapaz de resolver uma questão prática do dia-a-dia”.[7]
Nem as recomendações de organizações e instituições nacionais e internacionais, nem os vários exemplos de reformas meritórias que estão a ser empreendidas em vários países da União Europeia[8] demovem o ministro da Educação de levar a cabo a sua agenda de políticas neoconservadoras e neoliberais, o que, aliás, serve na perfeição os interesses do actual governo. Esta agenda, que mais não é do que uma cartilha obsoleta e contraproducente, hoje condenada por alguns dos que no passado eram seus defensores e até preconizadores[9], assenta num programa estratégico, que Manuel Sarmento (2011) resume da seguinte forma: “reforço das políticas de avaliação a todos os níveis; reestruturação curricular; destruição de recursos educacionais (nomeadamente com o despedimento massivo de professores) e desmantelamento das políticas cujo sentido é o do combate às desigualdades (Programa Novas Oportunidades, Territórios Educativos de Intervenção Prioritária, Programa e-escola, etc.); introdução progressiva de medidas de esvaziamento do papel do Estado na Educação”.[10]


[1] Cf. CRATO, Nuno (2006). O ‘Eduquês’ em Discurso Directo. Uma Crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista.
[2] Em entrevista dada à agência Ecclesia, a 22 de Fevereiro de 2011, Nuno Crato dizia o seguinte: “Nós estamos muito piores que à 10 ou 20 anos, mas também não tenho dados para mostrar isso, porque o Ministério não dá dados às pessoas (…)”.
[3] No dia 18 de Abril de 2010, no programa Plano Inclinado da SIC Notícias, Nuno Crato, então no papel de comentador e ‘especialista’ em temas sobre Educação, dizia a respeito dos mega agrupamentos que “além do absurdo que este sistema é do ponto de vista pedagógico e do ponto de vista da gestão de uma escola, isto é brincar com o sistema (…)”.
[4] Entrevista dada à agência Ecclesia, no 22 de Fevereiro de 2011.
[5] FERNANDES, Domingos (2012). A propósito da racionalidade da chamada revisão da estrutura curricular. In A Página da Educação, Série II, nº 196, p. 21.
[6] Cf. FERNANDES, Domingos (2012), p. 21.
[7] GONÇALVES, Paulo (2012). A propósito da racionalidade da chamada revisão da estrutura curricular. In A Página da Educação, Série II, nº 196, p. 128.
[8] Sobre as reformas nos currículos e nos sistemas de ensino europeus, em particular no que concerne à educação artística e cultural, bem como de um conjunto de relatórios, pareceres, resoluções e recomendações produzidos por instituições internacionais, consultar os seguintes documentos: Culture, Creativity and the Young: Developing Public Policy (Robinson/Conselho da Europa, 1999); Roteiro para a Educação Artística (UNESCO, 2006); Agenda Europeia para a Cultura (Conselho da União Europeia, 2007); Livro Branco sobre o Diálogo Intercultural (Conselho da Europa, 2008); Resolução sobre os estudos artísticos na União Europeia (Parlamento Europeu, 2009); Arts and Cultural Education at School in Europe (Eurydice, 2009). Por cá, sugiro simplesmente a consulta da Recomendação n.º 1/2012, de 7 de Dezembro de 2011, publicada em Diário da República no dia 24 de Janeiro de 2012, do Conselho Nacional de Educação.
[9] RAVITCH, Diana (2010). In Need of a Renaissance: Real Reform Will Renew, Not Abandon, Our Neighborhood Schools.
In American Educator, Summer: v34 n2, pp. 16-22.
[10] SARMENTO, Manuel (2011). O cratês em discurso directo: ideologia e proposta política. In Le Monde diplomatique, edição portuguesa, II Série, n.º 59.

domingo, 22 de abril de 2012

Abençoado povo dócil!

“O pessimismo é excelente para os inertes, porque lhes atenua o desgracioso delito da inércia”.

Eça de Queirós

Recentemente ouvimos o nosso Presidente da República dizer publicamente que acreditava que "o clima de paz e de coesão social" irá manter-se no futuro. Um dia depois ouvíamos o nosso Ministro das Finanças, que participava nas reuniões da primavera do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, em Washington, garantir que os portugueses estavam "totalmente disponíveis para os sacrifícios e para trabalhar mais", no sentido de Portugal cumprir o programa de ajustamento financeiro. Deixando para trás os tons monocórdicos e a qualidade das intervenções públicas, por vezes inusitadas, a que nos habituaram estas duas figuras de Estado, iria directo às presunções dos seus discursos, de forma a ilustrar a forma como julgo que olham a plebe, aproveitando para fazer um breve retrato actual desta.
Ora bem, estas duas intervenções espelham bem a convicção que lhes subjaz. Quer Cavaco Silva, quer Vítor Gaspar dão por adquirido que os portugueses estão dispostos a todo e qualquer sacrifício, de forma serena, resignada e altruística. Por muito que me custe, vejo-me obrigado a dar-lhes razão, pois é aquilo que de uma forma mais ou menos evidente se vai constatando nos discursos e comportamentos das pessoas, nos mais variados sectores da nossa sociedade.
Tomados pelo medo e/ou pelo pessimismo reinante, o povo segue a “Via Sacra” que os agiotas, tecnocratas e oportunistas que nos governam nos estão a vender, com o grande e irrefutável desígnio de que só assim poderemos salvar o país. O povo parece disposto a abdicar de direitos constitucionais, tal como o da liberdade de expressão e informação! As razões de tal comportamento, bem, poderão ser as mesmas que Eça de Queirós dizia, há já mais de um século, quando abordava o conceito de “liberdade”. Este ilustre escritor dizia que o homem, na verdade, não queria ser livre, e de forma mordaz e certeira, como era seu apanágio, justificava-o da seguinte forma:

“O homem verdadeiramente não apetece ser livre e apenas deseja que lhe não chamem escravo. Contando que a sua liberdade esteja consignada em letra redonda, algures, numa constituição ou nas paredes dos edifícios, ele está contente e não exige que essa liberdade se traduza realmente em factos. O dístico basta. (…) O governo das sociedades parece, portanto, ser essencialmente uma questão de léxico. O melhor meio de dirigir os homens será talvez gritar-lhes com entusiasmo: «Vós sois livres!» E depois, com um tremendo azorrague, à maneira de Xerxes, obrigá-los a marchar. E marcham contentes, sob o estalido do açoite, sem pensar mais e sem mais querer, porque a palavra essencial foi dita, eles são livres, e lá está Xerxes no seu carro de ouro para querer e pensar por eles”. (Ecos de Paris)

Se pararmos, por uns breves momentos, para observar e reflectir sobre o ambiente que nos rodeia, facilmente constataremos esta realidade, aqui descrita pelas palavras sábias do Eça. Uns por medo, alguns por resignação, outros por comodidade, os portugueses vão acatando, de forma mais ou menos ruidosa, mas subserviente, todo o tipo de orientações e deliberações que vêm de “cima”. Poucos são aqueles que se dão a trabalho de questionar a legitimidade ou os propósitos de algumas das decisões de quem (por vezes de forma arbitrária!) os governa ou dirige. Qualquer discurso, com mais ou menos prosápia, vindo de um qualquer político, governante, presidente, governador, delegado ou director é facilmente (ou convenientemente!) tido pelas gentes como verdade adquirida, e por isso inquestionável, verificando-se inclusive em vários domínios e sectores da sociedade.
Quanto aos do “poder”, naturalmente preocupados em manter-se na sua “cadeira”, também eles seguem de forma acrítica o silabário que lhes é administrado, mesmo que isso resulte em prejuízo de quem os elegeu, os nomeou ou sobretudo daqueles que deveriam servir.
Há quem advogue que esta triste realidade é algo de idiossincrático na sociedade portuguesa, e que dificilmente mudará. Sou tentado a concordar!
Quanto a mim, se há valor de que nunca abdicarei, é o da liberdade de consciência e de expressão, por muito que isso possa ser incomodativo para alguns… Como dizia Agostinho da Silva,

“Eu não quero poder, mas apenas liberdade de falar aos do poder do que entenda ser verdade”. (Quadras Inéditas)


sexta-feira, 6 de abril de 2012

Escola de Escalada de Outeiro Basto

Depois de em Setembro de 2011 ter criado a Escola de Escalada de Cidadelha de Aguiar, com a ajuda do meu camarada Carlos Filipe, voltei ao terreno para criar outra, agora situada em Outeiro Basto, numas fragas situadas no planalto do Alvão. O acesso faz-se por um caminho de terra que circunda os chamados colonos de Paredes, logo à entrada da estrada municipal que dá acesso ao conhecido parque de lazer da barragem da Falperra. Para mais detalhes, quer no que respeita ao acesso ao referido local, quer aos croquis das vias de escalada, “clicar” AQUI.
Esta nova escola tem na sua origem um passeio pedestre ocasional que fiz em Fevereiro. A dada altura do percurso vi num aglomerado de fragas com que me deparei, uma zona com potencial assinalável para a prática desportiva da escalada. Depois desse achado foram necessários sete dias de trabalho espinhoso, repartido pela limpeza das fragas e sua equipagem e ainda na melhoria dos acessos, para colocar à disposição da comunidade escaladora mais uma zona de escalada em território aguiarense.
Os amantes da escalada poderão desfrutar não só das 27 vias disponíveis, como também das vistas bastante aprazíveis que podemos contemplar do alto das referidas fragas, qual miradouro, num campo de visão de 360º.
A Escola de Escalada de Outeiro Basto, assim designada, tem a particularidade de juntar num único espaço um conjunto de vias de vários níveis de dificuldade (de IV a 6c), que permite um plano de treino progressivo, para além de proporcionar, tecnicamente falando, diversos tipos de escalada, nomeadamente: a escalada de aderência, de fendas, de placa ou de bloco. As vias variam entre os 3 e os 7 metros de altura, aproximadamente.
Desta vez decidi atribuir às vias, nomes de alfaias e equipamentos agrícolas. Esta decisão resultou de um momento de inspiração que me ocorreu na ocasião em que subi ao topo das fragas, e a partir de onde pude contemplar a paisagem envolvente, marcadamente rural. Dali se avistam as aldeias de Paredes do Alvão, Povoação, Trandeiras, Afonsim, Reguengo, Cabanes e ainda muitas daquelas que se situam no vale de Aguiar.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Regresso à Ubiña para formação

Quatro semanas depois de lá ter estado, voltei à Peña Ubiña, desta vez para frequentar um curso de alpinismo. Em 2008 frequentara o de Iniciação ao Alpinismo, ou como também se poderá designar, de nível I, e agora o de Alpinismo de Corredores, entenda-se, de nível II. Para além, claro, da oportunidade de obter mais alguns conhecimentos sobre o mundo e as técnicas do alpinismo, confesso que quis participar neste curso, em especial pelo desejo de voltar a um sítio lindíssimo, bem como para rever amigos e, quem sabe!, fazer outros. E assim aconteceu! Sem desconsiderar os demais companheiros de curso, destaco o Gonzalo, de Vigo. Falo de um camarada viajado, simpático, solidário e com um nível intelectual e cultural apreciáveis. Durante os dois dias de formação fiz parte de uma cordada que, para além do Gonzalo, integrou ainda o Manuel, também de Vigo, e igualmente um bom parceiro.
Cheguei na sexta-feira, dia 23, e regressei no final da tarde de Domingo. Estivemos instalados, formadores e formandos, num refúgio de montanha da Federação Galega de Montanha, situado numa aldeia chamada Torrebarrio, na província de Leon, que tem precisamente a destacar como pano de fundo, essa bela montanha chamada Peña Ubiña.
O refúgio, esse, é bastante agradável e acolhedor. Trata-se de uma casa rural situada em pleno centro da aldeia, que foi restaurada respeitando os traços arquitectónicos característicos do meio, com as divisões muito bem aproveitadas e equipadas, e com materiais adaptados à sua funcionalidade e estética.
Quando ao curso, bastará dizer que foi muito proveitoso. A meteorologia esteve de feição, com um céu limpo, sol brilhante, que dava para queimar, e uma temperatura que andaria, suponho eu, pelos vinte e poucos graus. Os formadores, Jose Romay, Juan Goyanes e Gustavo Vázquez, com uma longa e apreciável experiência em montanha e na formação, foram simplesmente estupendos, para além de bons profissionais.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Ubiña à terceira!!!

Como lembra a velha expressão, “À terceira foi de vez”. Finalmente, e depois de três visitas a essa bela montanha situada no coração da cordilheira Cantábrica, a Peña Ubiña (2417m), lá consegui sacar as fotos que tanto desejava a partir do seu cume.
Na primeira vez que lá fui, acompanhado de um grupo de companheiros de montanha, fiquei-me pelo Alto Terreros, a 1886m de altitude, uma espécie de lomba cimeira, ou como lhes chamam nuestros hermanos, uma collada. Apesar de termos seguido pela via normal, feita pela aresta sudeste, um percurso perfeitamente acessível, o que é certo é que fomos surpreendidos por um nevoeiro que se foi intensificando aos poucos, dificultando a visão, e assim aumentando os perigos de perda ou até de uma eventual queda que pudesse ser comprometedora. Tivemos, pois, de regressar à base!
Da segunda vez, agora apenas com um companheiro de montanha, o meu amigo Carlos Filipe, cheguei ao cume, mas uma vez mais tive a companhia do nevoeiro, o que me impossibilitou de contemplar e registar a paisagem envolvente.
Finalmente, agora sozinho, não só regressei ao cume da Peña Ubiña, mas num dia espectacularmente sublime. Foi no passado dia 20. Desta vez optei por uma via mais laboriosa, a chamada Norte Clássica, o que me obrigou a recorrer a algumas técnicas de escalada invernal, com todo o cuidado que uma escalada em solitário o exige.
Cheguei no dia 19 ao Refúgio do Meicín, situado a 1500m de altitude, e aí pernoitei. No dia seguinte levantei-me às 5 horas da madrugada, e ainda antes das 6 já estava a caminho do cume. A temperatura rondava os -5°C. Assisti ao amanhecer do dia. Esplêndido! Ao fim de cinco horas de “batalha” e de um desnível de mais de 900m atingi o cume. Tive algumas paragens breves para beber, tirar algumas fotos e para ir palmilhando a via, pois por muito que a estudemos previamente através de croquis ou fotos, o que é certo é que in loco a realidade é sempre algo distinta. Facilmente nos podemos perder, o que por vezes pode ser-nos fatal!
Depois, seguiu-se o que tanto desejava: desfrutar calmamente da panorâmica, sentir o ar e os raios do sol, meditar e, claro está, recolher algumas fotos. Das muitas que tirei, deixo aqui algumas para apreciação dos meus estimados leitores.
Deixo igualmente uma ligação para aceder ao filme que produzi, bastando apenas "clicar" AQUI.



quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Storm, um cão sui generis

Quando me lembrei de baptizar o meu cão de Storm, não me passava pela cabeça que esse sacramento pudesse configurar um presságio. Na verdade, não imaginava que uma bola de pêlo de sete semanas, idade com que me foi oferecido, tímida e ternurenta, se tornasse, hoje, num verdadeiro ‘temporal’! Agora, com quase dez meses de idade, e com o arcaboiço que ostenta, pouco ou nada escapa à máquina trituradora das suas mandíbulas. Mas desenganem-se meus caros leitores, não se trata de um cão mau, nem um mau cão. Como é próprio da idade, um jovem cheio de virilidade, adrenalina e irreverência, gosta da brincadeira, o que por vezes traz consigo danos materiais. Enfim… juventude!
Debruçando-me agora um pouco sobre as suas características e o seu dia-a-dia, começaria por dizer que o que o cachorro perde na pureza da raça, pois é um pastor alemão “falso”, ganha na inteligência. Às vezes chega mesmo a fazer-me inveja! Como todo o cão que tem uma habitação com uma assoalhada, canil espaçoso e asseado (pois não imaginam os quilos de “barretes” que recolho dia sim, dia não!), duas refeições diárias bem servidas em qualidade e quantidade, uma área com cerca de 300m² para a prática desportiva (corrida de velocidade, salto em altura e arrasto de objectos), vistas privilegiadas para os lameiros verdejantes e, claro está, carinho q.b., o Storm só podia mesmo ser um cão feliz. Uma ou duas vezes por semana vou dar um passeio com ele para o monte, que no seu todo nunca ultrapassa uma hora, num percurso que rondará os 3 km. Faço várias paragens para que o “rapaz” possa apreciar os cheiros, os ruídos e deixar a sua marca pessoal e odorífica, ou seja, e de forma menos académica, um esguicho num calhau ou numa planta.




Perante algumas habilidades que alguns animais manifestam durante o contacto com os humanos, em particular os caninos, há esta corriqueira tendência para dizer que só lhes faltava falar! Bem, acredito que se o meu cão falasse, tal como a generalidade da espécie, não teria piada e até poderia ser comprometedor para o homo sapiens. Antes de mais, falta saber se o cão estaria realmente interessado em dominar a linguagem do animal humano. Depois, eu próprio não estaria interessado em estabelecer uma conversação com um cão. Admitindo que tal fosse possível, para além de correr o risco de perder o gozo e as aprendizagens que nos proporciona o exercício de hermenêutica, que voluntariamente vamos empreendendo no contacto com um vulgarmente chamado “animal irracional”, imaginem a indignação dos vizinhos ao ver-me num animado e erudito diálogo com esse fiel amigo! Por último, se por milagre conseguíssemos fazer com que os cães fossem capazes de recitar alguns versos da língua de Camões, correríamos o risco de ter-mos fortes concorrentes para desempenhar várias funções tradicionalmente nossas, quem sabe até um cargo da mais alta magistratura do Estado, o que viria a agudizar o problema actual do desemprego!
Mas regressemos ao Storm. Apesar de ainda jovem, e concentrando-me apenas nas suas características psicológicas, o cachorro demonstra já uma capacidade de sedução apurada, que prima pelas artimanhas a que recorre para conseguir os seus intentos. Por exemplo, se quiser abocanhar um biscoito que eu lhe exiba, para além de salivar-se e abanar o rabo, de uma maneira que nos faz lembrar aqueles rituais de auto-flagelação executados por alguns pobres pecadores e membros do clero, retratados nalguns filmes, acrescenta ainda um pestanejar dos olhos ritmado e sedutor, que mais faz lembrar as mulheres quando se encontram no estado de receptividade sexual. Outro exemplo é o de quando me deparo com o resultado de um dos seus actos de destruição. Aqui, o estupor fica olhando de esguelha para mim ou simplesmente para o ar, como que insinuando que nada tem a ver com o sucedido. Quando a dada altura dos nossos passeios pelo monte decido sentar-me numa fraga para descansar um pouco, ou simplesmente para contemplar a natureza, eis que ele cedo se acerca de mim para me apressar a retomar a marcha, utilizando como estratégia umas atrevidas mas delicadas dentadas na trela que trago na mão, quando solta, ou então uns delicados encontrões, acompanhados de umas chicotadas com a cauda, que às vezes me atingem inadvertidamente nas ventas. Muitos outros exemplos poderia dar para ilustrar as habilidades do Storm, e bem assim da sua personalidade singular, mas receio bem que os meus caros leitores acabem por confundi-lo com o professor Marcelo Rebelo de Sousa.
Para terminar, não tenho dúvidas que o Storm daria uma grande estrela de cinema, concorrendo com nomes tais como: Rin Tin Tin, King, Beethoven, Rex, Mel, Jerry Lee ou Spot. Quem sabe se um dia isto não se torna realidade. Se tal acontecesse, sei muito bem quem seria o seu manager!

domingo, 15 de janeiro de 2012

Ensaio sobre uma Cegueira outorgada


“Diz-se que o país está empobrecido e endividado; eu afirmo que o país nunca saiu da pobreza que a ignorância e o medo geram”.

Luís Vendeirinho


Muito honestamente, já nem sei se o termo correcto para definir o meu estado de espírito para com o rumo que segue o nosso país, tal como muito outros, será o de ‘indignação’ ou o de ‘resignação’! Pouparei o meu leitor a uma análise sociológica ao nível macro, para me centrar sobretudo no que se vai passando neste “quintal” onde vamos vegetando!
Uma simples medida anunciada pelo actual governo no sector da Educação foi o suficiente para despoletar em mim a reflexão que através destes parágrafos materializo. Refiro-me à proposta de revisão da estrutura curricular do ensino básico e secundário, apresentada em Dezembro de 2011 pelo Ministério da Educação e Ciência, sem fundamentos credíveis, e que, apesar de ter sido aberta à discussão pública, certo e sabido é que ela vai avançar sem dó nem piedade, tal como a generalidade das medidas que têm sido tomadas até ao momento. Já está mais do que claro que o ‘diálogo’ há muito passou a ser uma simples figura de retórica nos discursos dos nossos governantes. Mais do que à falta de diálogo, assistimos a uma falta de bom senso e de visão de futuro e das previsíveis consequências (nefastas) de certas políticas, já para não falar na cascata de contradições que vai jorrando. Senão vejamos.
Muito a respeito do estado da economia e da necessidade de retirar o país do situação comprometedora em que se encontra, cujos responsáveis estão perfeitamente identificados (entretanto gozando de total impunidade!), é frequente ouvir-se falar na necessidade de inovação, de produtividade, de empreendedorismo, de competitividade, de formação, etc. Ora, sabe quem sabe que isto não passa de uma quimera, por duas razões. A primeira é a de que à generalidade das nossas empresas, vulgo patrões, o que interessa mesmo é mão-de-obra barata e horário de trabalho alargado, e se possível uma redução de impostos ao patamar da insignificância, já para não falar daqueles que deslocam a sua sede fiscal para outros países, ou ainda os que pura e simplesmente fogem ao fisco. A segunda, e então aqui regresso ao tema da revisão curricular, é que os nossos governantes, em particular os que têm sido responsáveis pela pasta da Educação, não estão efectivamente interessados em apostar numa verdadeira educação integral do sujeito; não lhes interessa um cidadão capaz de exercer uma plena cidadania com conhecimento de causa. Assim, torna-se muito difícil assumirmos os nossos deveres, quando nos vemos cada vez mais limitados, diria mesmo “amputados”, nos nossos direitos! Por isso, todos aqueles substantivos acima referidos não passam de enfeites, de palavras vãs.
É de uma profunda ignorância e de uma demagogia descarada falar-se em ‘inovação’, quando a dita revisão curricular propõe reduzir o tempo lectivo de algumas das disciplinas que mais contribuem para incutir no aluno uma praxis assente no trabalho de projecto, na observação, na pesquisa, na reflexão e no design, e bem assim para o desenvolvimento da imaginação e da criatividade dos alunos, competências basilares para que se consiga efectivamente INOVAR, seja em que área do conhecimento for, e assim almejar todos os ganhos desejados, incluindo os de ordem produtiva e competitiva. Falamos da Educação Visual e Tecnológica do 2º ciclo do Ensino Básico, e das disciplinas de Educação Visual e de Educação Tecnológica do 3º ciclo, disciplinas estruturantes e nucleares nas aprendizagens dos alunos. Ainda por cima, e no caso da Educação Visual e Tecnológica, esta redução da carga horária faz-se partindo a meio a disciplina, separando conteúdos que estão interligados, e comprometendo a aquisição, por parte do aluno, de saberes nucleares. Tudo isto em nome de uma redução da despesa pública, ainda que, como é óbvio, essa não seja a razão oficial. Tal como vem acontecendo desde há mais de vinte anos, uma vez mais as disciplinas de ensino artístico e tecnológico voltam a levar uma machadada, sendo uma vez mais desconsideradas!
E que dizer da intenção de extinguir a área curricular de Formação Cívica? Falamos de um espaço de trabalho em que os alunos são confrontados, de forma pedagógica, com um número variado de temas e situações de caris social, político, económico ou cultural. Como podemos querer que o jovem participe na polis quando lhe são retiradas oportunidades para aprender a exercer o ofício de cidadão? Como se pode leccionar sobre democracia quando a própria escola é, muitas vezes, uma espaço não democrático, pelas mais variadas razões? E assim parece claro que assistimos em Portugal àquilo que se verifica noutras latitudes.
A respeito dos movimento cívicos que têm vindo a acontecer um pouco por todo o mundo, Bruce Levine (2011) debruça-se no que se tem verificado no sistema de ensino dos EUA para dizer que “a lógica do que se passa nas salas de aula […], socializa os estudantes no sentido de serem passivos e dirigidos por outros, cumprirem ordens, levarem a sério as recompensas e castigos da autoridade, para fingirem que se importam com as coisas a que, na verdade, não ligam, e para se sentirem impotentes para alterar a situação” (pp. 41-42). E é aqui que entram os exames e os rankings, tão caros aos que convenientemente defendem uma plebe dócil e obediente. Falo naturalmente de uma estirpe de políticos (e seu séquito) e das suas “parcerias”, que se interessam por tal status quo. Assim, todas as medidas educativas que possam limitar a criatividade, condicionar o pensamento crítico, estreitar o campo de visão, dispersar uma cidadania participativa, democrática e inovadora são religiosamente defendidas e postas em prática, para não obstruir a demanda das políticas neoliberais, por sua vez subjugadas à chamada “economia de casino”. Em contraposição, projecta-se um programa de reformas educativas, guarnecido por slogans sedutores, mas que na prática acaba por se traduzir, efectivamente, na aplicação de um sistema meritocrático, tão característico daquilo que Levine designa de “empresocracia”. E é esta que é responsável pelos testes padronizados e, como diz Levin, pela instalação do medo que “força estudantes e professores a centrarem-se nas exigências dos autores dos enunciados dos exames e testes. Esmaga a curiosidade, o pensamento crítico e a capacidade de resistência legítima à autoridade” (p. 42).
No entanto, e ainda a propósito de rankings, poderia debruçar-me sobre a questão dos pressupostos duvidosos que sustentam tais estudos, da forma como são concebidos e seriados, das variáveis neles tidas (e não tidas) em conta, dos seus partidários, dos nebulosos interesses que estão por detrás desses “menus de escolas”, ou então da forma como a opinião pública é manipulada, mas não o farei por se tratar de uma matéria que daria para outro artigo (1). Vou, sim, apenas lembrar que por este país fora existem inúmeras escolas de referência, que nem sempre vêem reconhecidos os seus méritos. Existem muitíssimos professores que pautam a sua actividade pela excelência, mas que porém são muitas vezes maltratados por políticos, por alguma imprensa, por alguns opinion makers e até por certos sectores da sociedade. Possuímos um vasto acervo de produções científicas sobre educação e pedagogia, que são referências a nível mundial, juntamente com os seus autores. Temos em curso, como sempre tivemos, vários projectos pedagógicos, científicos ou culturais a serem desenvolvidos nas escolas, que muito têm contribuído, não só para o enriquecimento das aprendizagens das crianças e jovens, mas também para a dinamização das comunidades em que estão inseridas. Esta realidade, que muitas vezes surpreende pela positiva alguns dos países que por cá são frequentemente tidos como referência, quer pelos nossos responsáveis políticos, quer por outros agentes educativos, prova que poderíamos encabeçar a listas dos melhores sistemas de ensino. Todavia, todas essas iniciativas, todas essas mudanças que legitimamente se pretendem implementar para melhorar a qualidade do nosso ensino esbarram em burocracias, na negligência ou no aviltamento dos muitos e variados responsáveis que têm gerido a Educação em Portugal, dispersos pelos diversos patamares da pirâmide. Como sublinha José Pacheco (2011), os responsáveis pela actual situação têm rosto. São eles, “directores de escola, cuja acção contradiz projectos educativos das suas escolas. São gestores, que dirigem instituições ao sabor dos caprichos, de tecnocracias e cosméticas pedagógicas. São políticos ignorantes do que seja pedagogia, que vão parindo decisões de política educativa tão inúteis quanto nefastas. São ‘professores’ coniventes com essas atitudes” (p.25).
Embora o cepticismo não seja uma das minhas características, a verdade é que cada vez é maior a minha apreensão quanto ao futuro da educação e do ensino em Portugal, precisamente pela qualidade da classe política que malograda e perigosamente tem tomado o leme do nosso país. Por isso, creio que infelizmente iremos provavelmente continuar a assistir ao desfile dessas ilustres personagens pelo palácio de S. Bento!
Os vintages da política abandonaram o ofício, provavelmente por não abdicarem da ética e da concepção de um verdadeiro Estado social e solidário. Bem a propósito, numa recente entrevista dada à revista A Página da Educação, onde eram abordados temas como a cultura, a música e a educação, António Pinho Vargas acabou por fazer uma caracterização do homo politicus da seguinte forma: “Os políticos preocupados com a formação humana e social foram-se embora e, pouco a pouco, instalaram-se tecnocratas que tomam os seus saberes especializados como tudo aquilo que interessa saber. E, na verdade, nem de números sabem, como a realidade tem demonstrado. Afinal, a economia, hoje, não é ciência nenhuma; é um jogo de apostas. Por isso é que a expressão “capitalismo de casino” tem algum sentido” (p. 96).

Sem mais comentários!




NOTAS:
(1) A respeito de rankings ler os artigos de Ariana Cosme e Rui Trindade, e ainda de José Pacheco, da revista A Página da Educação, de Novembro de 2011.




Bibliografia

LEVIN, Bruce E. (2011). Como os EUA esmagaram o espírito de rebelião da juventude. In Courrier International, nº 189, Novembro, pp. 40-43.
PACHECO, José (2011). Contradições. In A Página da Educação, nº 195, p. 25.
VARGAS, António Pinho (2011). À conversa com António Pinho Vargas. In A Página da Educação, nº 195, pp. 92-97.