terça-feira, 22 de março de 2022

Um preço a pagar

Numa realidade paralela à guerra insana e atroz que se vai desenrolando em território ucraniano, outra “guerra” se regista nalguns órgãos de informação nacionais, situação que de resto acontece noutras latitudes.
Nos últimos tempos assiste-se a uma polarização entre os que apontam toda a responsabilidade do conflito armado a Putin e os que acham que a origem do problema está do lado ocidental, em especial dos Estados Unidos/NATO. Com contornos tribais, os beligerantes de cada um dos lados vão brandindo argumentos, quantas vezes pródigos em desonestidade intelectual, sendo prolíferos os ataques ad hominem. Nalguns casos é confrangedor assistir à forma como alguns comentadores mascaram as palavras, para não ferirem as susceptibilidades do lado da barricada em que se posicionam.
Os noticiários, ornados de títulos sensacionalistas, assim como os programas de debate, dedicam-se quase em exclusivo à guerra na Ucrânia, comentada por uma plêiade de peritos em armamento e estratégia militar, relações internacionais, geopolítica, História das Nações e tudo o mais.
Outras guerras e desgraças, noutros continentes, praticamente deixaram de ser notícia. Quiçá por decorrerem em outras geografias. Ou então por se tratar de outras nacionalidades, etnias ou religiões. Alguém se lembra da Síria, Afeganistão, Iémen, Sudão ou Mianmar, só para citar alguns exemplos? E dos refugiados de guerra do continente africano e médio oriente, que entretanto passaram para o fundo da fila em países que fazem fronteira com a Ucrânia, ou os que se mantêm enjaulados em guetos? Já pouco ou nada se fala da Covid, do próximo governo, da seca, das alterações climáticas e de tantas outras questões que nos importam. Tudo parece estar apostado em manter as pessoas condoídas com o que se passa na Ucrânia, prolongando, deste modo, os níveis de preocupação, ansiedade, medo, depressão.
As notáveis manifestações e caravanas solidárias a que temos vindo a assistir, que exaltam o lado bom do coração humano, começam, pouco a pouco, a desviar-se para outro tipo de sentimentos e atitudes. A comoção, a compaixão e a solidariedade começam a dar lugar à indignação com o aumento dos preços dos combustíveis, energia e bens essenciais. Feitas as contas, algumas pessoas parecem agora relutantes a pagar a factura das sanções económicas impostas à Rússia e que, como já se previa, começaram a fazer ricochete. Aliás, disso nos dá conta a mais recente sondagem da Aximage para o DN, JN e TSF, em que uma maioria (62%) revela não estar disposta a pagar o “caderno de encargos” da guerra. Pois, mas este será o preço a pagar pela manutenção de uma Europa em paz (que alguns julgavam eterna), com Estados livres e democráticos, que nos últimos anos têm sido acossados por forças e partidos extremistas. Teremos certamente que fazer escolhas, rever a nossa forma de viver, discernir o útil do fútil, definir o que é prioritário, enfim, repensar o nosso estilo de vida. Assumir a solidariedade na sua plenitude é assumir os seus custos.
Hoje, no nosso país, como em muitos outros, felizmente gozamos de liberdade e de democracia, graças à luta e às privações e sacrifícios de outros que nos antecederam. Um legado obtido, graças ao combate e resistência de muitos que, num passado relativamente recente, sofreram na pele a prisão, a tortura e até a morte impostas por um regime totalitário. Hoje cabe-nos a nós a mesma entrega às mesmas causas, bem como a outras, se quisermos garantir um presente estável e seguro e um futuro próspero para os que por cá continuarem e aos que ainda hão-de vir.
Por outro lado, e como já se anuncia, caberá à União Europeia, aos Estados e aos governos tomar as medidas necessárias para reforçar os apoios sociais aos mais carenciados, às empresas que lutam pela sobrevivência, assim como aos refugiados de guerra, naturalmente fazendo opções, nem sempre fáceis, do que será prioritário em termos de investimento público e do relançamento da economia.