quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Razões do coração

Um olhar, um gesto ou uma simples palavra podem mudar o sentido ou o rumo das nossas crenças ou vidas. Sem pôr em causa o valor das nossas vivências ou experiências, podemos ser acometidos por uma reflexão que nos leva a questionar o que somos, o que pretendemos, as opções que tomamos ou onde queremos chegar. Tratar-se-á, eventualmente, de tentar ver com mais clareza a realidade dos factos. Ou será que simplesmente procuramos seleccionar factos para desenhar a realidade que melhor nos convém?
Embora nem sempre de forma oportuna, alguns dos nossos momentos de indagação são marcados por uma vontade irrefreável de desabafo, de libertação. É como se o nosso coração, em mar revolto, desprezasse a razão e quisesse resgatar o direito e a liberdade de sentir e partilhar as emoções que o agitam. Isto faz-me lembrar a clássica dialéctica entre o coração e a razão. Dizia Pascal que “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. Raymond Radiguet remata, dizendo que, “Se o coração tem razões que a razão desconhece, isso deve-se ao facto da razão ser menos sensata que o coração”. Será mesmo assim!? Na esteira de Goethe, onde está a “verdade que se pode tocar com as mãos"? Aquela que nos possa assegurar a certeza das opções tomadas? Será que o amor, tal como diz Montaigne, “não é senão o desejo furioso de algo que foge de nós”? Não estaremos, aqui, a entrar no domínio da obsessão? Até onde vão os limites do amor? Estaremos certamente confrontados com perguntas de difícil ou impossível resposta... se, ou quando realmente as desejamos obter!
Paixão, desejo, sedução, aventura, erotismo, masoquismo, sexo, luxúria, deleite, loucura, criação, arte, verdade, mentira, tolerância, compromisso, medo, risco, são algumas das muitas palavras ou actos que podem estar ou ser associados ao amor. O que não se faz ou se arrisca por amor a alguém! Certo parece ser que amar pressupõe a partilha de afectos, carinho, compreensão, respeito, entre outros. O olhar, a carícia, o beijo ou o afecto são essenciais para alimentar e fazer perdurar o amor. Como dizia Nataniel Hawthorne, “As carícias são tão necessárias para a vida dos sentimentos como as folhas para as árvores. Sem elas, o amor morre pela raiz”. Mas também já ouvi dizer que o verdadeiro amor nunca se apaga, não tem fronteiras geográficas ou afectivas... é eterno. Daí a importância e o valor da memória, capaz de registar momentos únicos e intemporais, capaz de doar testemunhos a novas gerações ou, quem sabe, a novas reencarnações. Porque não acreditar?
Para que a entrega ao mais nobre acto do ser humano resulte em felicidade, será necessário, no meu entender, começar por aprender a contemplar, apreciar e valorizar o belo. É a educação estética! Só os sentidos vigilantes e receptivos são capazes de fruir a essência da beleza, pois, como lembra Nietzche, “a beleza fala em voz baixa; apenas penetra nas almas mais despertas”.
Gosto de olhar com a máxima profundidade e sem preconceitos o belo. Tentar penetrar no seu âmago para sorver a sua seiva, alimentar e enriquecer os meus sentidos, alegrar a minha alma. Gosto de me deleitar com a poesia da doce Érato, enquanto ela me afaga e me envolve nos seus braços. Sentir a sua pele macia e perfumada, enquanto me sinto entorpecido pelas fragrâncias do Olimpo. Lugar onde o corpo e a alma, prisioneiros do amor, se entregam à volúpia e se deixam levar pelo indomável desejo de posse. Onde umas mãos que seguram firmemente um rosto se fazem acompanhar de um olhar lancinante, que não mente sobre o que sente, culminando num beijo ávido e prolongado, só ele capaz de verter a verdadeira dimensão do desejo e da paixão.
Mas... mas para tal, há que ter a capacidade de nos demarcarmos do supérfluo ou acessório, por um lado, e de sermos abnegados, por outro. Como destaca Nietzche, “É preciso aprender a abstrair-se de si, para ver muito mais”, acrescentando logo de seguida que “esta droga é necessária a todos os alpinistas”, numa clara alusão àqueles que anseiam conquistar a sabedoria, metaforizando, o cume das montanhas. Não é por acaso que os presumidos não chegam a ser verdadeiros “alpinistas”. Já alcancei o cume de algumas belas e altas montanhas, e para tal tive que o fazer, é certo, com ambição, paixão, coragem, determinação, sacrifício, risco, mas também com humildade e respeito. Julgo eu que só assim se pode amar! E assim tenho amado, numa alternância permanente entre momentos de voracidade e momentos de brandura...