terça-feira, 26 de outubro de 2021

Entre a prudência e a incoerência

Ao longo da pandemia, que ainda não acabou, publiquei aqui alguns artigos sobre o tema e algumas das suas implicações, sobretudo a nível social. O último foi em Março deste ano. Dado o enfado decorrente das notícias diárias sobre a covid-19, entendi virar-me para outros assuntos igualmente marcantes. Todavia, e tal como eu vaticinara, apesar do sucesso da vacinação e do levantamento da maior parte das restrições, continuamos a assistir a comportamentos que pouco ou nada têm de preventivo, mas mais, e a meu ver, de anti-social. Deparamo-nos com ‘muros’ erigidos entre e pelas pessoas. Repescando o que eu dissera no referido artigo, presenciamos, embora em menor grau, a um ambiente social marcado pela desconfiança, medo e esquiva, que menoriza os prejuízos daí resultantes. Será bom lembrar que, exceptuando o pico de mortes que tivemos no início deste ano por covid-19, morrem diariamente mais pessoas devido a outras doenças e/ou acidentes variados. Mas enfim, o foco continua centrado no boletim diário da pandemia!
São conhecidas as consequências dos confinamentos e restrições às liberdades e à mobilidade das pessoas, com destaque para o aumento exponencial das doenças do foro psiquiátrico. Mas a saúde mental continua fora dos radares de muita gente. Nem os frequentes esclarecimentos de vários especialistas no campo da saúde, particularmente no que toca às relações humanas nas diferentes faixas etárias, parecem sossegar as populações. O medo e a irracionalidade continuam a trilhar caminho, enfraquecendo a confiança e a amizade entre pares.
Jorge Torgal, médico, Professor Catedrático jubilado e com um vasto currículo académico e científico, deu recentemente uma entrevista ao jornal Público (2 de Outubro), onde punha a descoberto um conjunto de incongruências e contrariedades resultantes de algumas decisões políticas, e por consequência da DGS. O especialista em Saúde Pública não compreende porque é que no contexto actual, e face ao nível elevado de vacinação conseguido no nosso país, a DGS continue a pensar e a agir como se fosse possível controlar a infecção na comunidade, quando diz ser evidente que isso não é possível. Justifica-o dizendo que “quando temos um conjunto de outras patologias que levam a três vezes mais mortes e hospitalizações do que a covid, é porque a covid não é um problema de saúde pública”. Acresce que vários especialistas têm vindo a terreiro dizer que a pandemia passará, mas que a doença não. Disso mesmo nos deu conta, recentemente, o director da OMS para a Europa, Hans Kluge, sublinhando que passaremos para “uma situação endémica”, em que teremos de aprender a viver com a covid, como acontece com a gripe. Um dos cenários apontados é que a vacina contra esta doença venha a integrar os planos de vacinação, sendo dada uma vez por ano, para garantir imunidade.
Sobre algumas medidas restritivas que ainda persistem, Jorge Torgal insurge-se contra a manutenção do uso de máscara nalgumas situações, ao contrário do que se já verifica noutros países com uma taxa de vacinação inferior à nossa. Exceptuando os casos de alto risco, em particular as pessoas de idade avançada, e em contexto de lares e estabelecimentos de saúde, o especialista não vê razão para que a máscara continue a ser obrigatória em sala de aula. Diz mesmo que “é absurdo que não adoecendo as crianças e estando os adultos das escolas vacinados, se esteja a pedir que estejam numa situação de uso de máscara quando não há uma justificação científica para isso”, acrescentando, e aqui convém sublinhar, que “é atentatório da qualidade do discurso que elas vão ter, da expressão, da aprendizagem, etc.”. Enquanto professor posso atestar da validade desta afirmação. Em contexto de sala de aula a máscara tem sido uma barreira à comunicação entre professor e alunos, comprometendo uma clara compreensão do que é verbalizado, uma sã convivência, o estabelecimento e reforço de laços sociais, de afectividade e confiança, acabando por prejudicar as aprendizagens.
Não quero sequer imaginar que esta situação lesiva se possa prolongar por muito tempo.