terça-feira, 26 de abril de 2022

Educação, as pedras no sapato

João Costa, agora promovido a ministro da Educação, conhece bem a casa. Durante os últimos seis anos, onde ocupou lugar na Secretaria de Estado do ministério, foi o principal obreiro de algumas das políticas educativas mais emblemáticas, com destaque para a flexibilização curricular e a Educação Inclusiva. Não admira, pois no que respeita a conhecimentos sobre educação e o sistema de ensino estava (e está) bastante acima de Tiago Brandão Rodrigues, o seu antecessor. Não foi apenas um homem de gabinete mas também de terreno. Poucas terão sido as escolas que não foram visitadas pelo próprio. Apesar de o preferir a Brandão Rodrigues nos destinos da Educação, tal não significa que nele aposte todas as fichas. Veremos quais as suas capacidades de negociação com sindicatos, dirigentes escolares, autarquias e outras entidades ligadas à educação, o seu empenho em resolver os problemas mais prementes, assim como o seu peso político dentro do executivo de António Costa.
O programa de governo, entretanto aprovado, não deixa boas perspectivas, desde logo porque deixa de fora uma série de problemas que se arrastam há demasiado tempo, e que comprometem a estabilidade e a qualidade das escolas e do próprio sistema de ensino.
À cabeça dos problemas a resolver no curto/médio prazo, com medidas entretanto anunciadas, está a falta de professores, que se tem vindo a agravar. Urgente será também rever o regime de recrutamento, a precariedade docente, um regime específico de aposentação, acabar com a enorme e inconsequente burocracia que sobrecarrega os professores, rever a tabela salarial, de modo a que finalmente lhes sejam atribuídas remunerações decentes, justas, consentâneas com as enormes responsabilidades e os encargos financeiros que a profissão acarreta. E porque falamos de valorização da carreira de professor, importa, aqui, começar por denunciar o modelo de avaliação docente vigente, envolto de controvérsia, por ser altamente penalizador e permeável a interesses nebulosos.
O que resulta desse modelo anacrónico é tão-só um estrangulamento da carreira, imposto por um sistema discriminatório de cotas, que limita e atrasa as progressões, e uma desvalorização do trabalho docente. Acresce o facto de que nem sempre as melhores classificações (de ‘muito bom’ ou ‘excelente’) são atribuídas aos melhores professores, daí resultando, como diz Alberto Veronesi, uma desmotivação de quem trabalha e uma condecoração de quem melhor bajula (Público, 8/07/2021). Este autor traz à superfície uma realidade sentida por quem conhece bem o sistema de ensino por dentro, traduzindo-a da seguinte forma: “a maior promiscuidade é o facto de muitas vezes quem avalia nem sequer conhecer o avaliado. Ao fim ao cabo, a avaliação é feita por “achismos”, opiniões externas ao relatório e simpatias pessoais”. Eu acrescentaria ainda a falta de idoneidade por parte de alguns dos avaliadores. Como se não bastasse, alguns dos professores, que legitimamente se sentem lesados na sua avaliação e se predisponham a recorrer, sujeitam-se a chantagens ou ameaças por parte dos seus directores. É este o estado de democraticidade e de liberdade que impera nalgumas escolas. Facilmente poderão deduzir, em muitos casos, o ambiente de desconfiança reinante no seio do corpo docente, comprometendo o imprescindível trabalho colaborativo, com evidentes prejuízos para as aprendizagens. Como alerta Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, este modelo de avaliação tornou-se “um dos maiores limitadores ao bom funcionamento das escolas (Público, 23/02/2022).
E por falar em directores, importa referir outro dos problemas do sistema educativo: o actual modelo de gestão escolar. Um modelo que, como diz Paulo Guinote, “chama autonomia à subserviência hierárquica” (Público, 18/11/2021). Isso mesmo, o director acaba por ser uma espécie de comissário obsequioso do Ministério da Educação. Daqui resulta, por parte de um número deles, um certo despotismo, onde as visões unipessoais sobrepõem-se à vontade colectiva. Santana Castilho considera estarmos perante uma “supremacia crescente do caciquismo paroquial na gestão das escolas” (Público, 19/01/2022). Mais recentemente referiu-se a elas como “mundos de venenosos interesses miudinhos e subservientes” (Público, 9/04/2022). Elvira Tristão fala-nos em “lideranças tóxicas”, defendendo, e bem, um modelo de administração e gestão escolar “com enfoque na valorização das lideranças intermédias, na colegialidade colaborativa e num sistema de accountability inteligente, assente nos valores da democracia colaborativa, da transparência e da justiça” (Público, 9/04/2022).
Estas são algumas das pedras no sapato que urge retirar, de modo a que a caminhada se faça sem percalços e leve a Educação a bom porto.