quarta-feira, 30 de março de 2011

Uma questão de (educação do) gosto…

“Para ter um gosto próprio e julgar com alguma finura das coisas de arte é necessária uma preocupação, uma cultura adequada. E onde tem o homem de trabalho, no nosso tempo, vagares para essa complicada educação, que exige viagens, mil leituras, a longa frequentação dos museus, todo um afinamento particular do espírito? Os próprios ociosos não têm tempo – porque, como se sabe, não há profissão mais absorvente do que a vadiagem. Os interesses, os negócios, a loja, a repartição, a família, a profissão liberal, os prazeres, não deixam um momento para as exigências de uma iniciação artística”. (Eça de Queirós, Ecos de Paris)

À parte a preocupação e os imperativos espelhados na supra-referida citação, esta revela, sem dúvida, um pensamento lapidar daquilo que sugere uma educação do gosto. Na verdade, a capacidade de apreciar e avaliar uma obra artística reclama uma educação, consubstanciada num exercício sistemático de apreciação e fruição da arte, do belo. Quanto mais abrangente for o nosso conhecimento sobre a arte, o nosso contacto directo com a criação, maior será, certamente, a nossa capacidade de apreciar e compreender os meandros que a fazem brotar.

Com alguma frequência ouvimos dizer que “gostos não se discutem”. Considero este, um dos maiores disparates que se podem proferir ou trazer à coação. Mais não espelha do que a ignorância pura e dura, que compromete o apuramento dos sentidos e o glosar da poética que assiste a arte. Creio que foi, precisamente, a partir do momento em que a arte deixou de ter o destaque e o reconhecimento que teve outrora, como por exemplo, na Antiguidade Clássica, em que ela era assumida como parte integrante e basilar na educação do sujeito, é que o ser humano viu-se amputado na visão mais abrangente do mundo e da sociedade, assim como na sua formação integral. Hoje, salvo escassas excepções, a arte é, sobretudo, negócio, economia, mercado, auto-promoção, entre outros.

Uma educação do gosto, ou se preferirmos, uma educação artística, estética, faz-se pela iniciação precoce no mundo das artes. Desde a mais tenra idade, e através de um processo contínuo e sistemático, o ser humano deverá ser sujeito a um conjunto de experiências sensitivas, estéticas e criativas, de modo a dotar-se de uma panóplia de instrumentos e saberes, que lhe permita não apenas ser, ele próprio, um agente criador e transformador, mas igualmente desenvolver uma cultura ética e humanista. Estamos, indiscutivelmente, perante uma tarefa que exige tempo, dedicação e paixão, mas que vale a pena, seja pelo olhar clínico sobre o mundo que em nós desperta, seja pela busca da transcendência.

E se com Eça comecei, com Eça termino…

“A arte oferece-nos a única possibilidade de realizar o mais legítimo desejo – que é não ser apagada de todo pela morte”. (Notas Contemporâneas)