sexta-feira, 31 de julho de 2009

Aguja de la Canalona


No passado dia 24 de Julho fiz aquela que poderei considerar uma escalada em solitário com uma dimensão algo respeitável. Tratou-se da via normal da Aguja de la Canalona (AD Sup – 80m/IV). Constituída por três lanços, esta via é de uma beleza impressionante, dada o seu percurso sinuoso, bem como as vistas maravilhosas que proporciona. Tem ainda a particularidade de terminar numa espécie de terraço.
Ainda com uma prática por apurar neste tipo de escalada, tratou-se de um teste às minhas capacidades. O nervosismo que antecedeu a ascensão logo se foi perdendo à medida que fui escalando e ganhando confiança. Apesar de um nível baixo, estas via de escalada clássica requer alguns cuidados, dado exigir técnicas de escalada variadas (aderência, entalamentos, bloco, etc.), e ainda pelo facto de ter algumas travessias que, para quem sabe, em caso de queda leva a que se façam movimentos pendulares, com riscos consideráveis.
Situada no maciço central dos Picos de Europa, esta via, e este pico, foi escalado pela primeira vez a 8 de Agosto de 1948, por um grupo constituído pelos irmãos Alfonso e Juan Tomás Martínez, juntamente com mais dois companheiros de escalada, José Odriozola e Alfonso Alonso. Desde aí, outras vias se abriram nesta agulha, que se assemelha mais a uma torre.
Sem dúvida um “monumento” rochoso que me deixou o desejo de voltar a escalar numa próxima oportunidade, mas agora por uma outra via mais longa e de maior exigência. Veremos!

terça-feira, 21 de julho de 2009

Educação Intercultural


O fenómeno migratório, verificado na Europa nos anos 60, fez com que despertasse uma preocupação relativamente aos filhos dos trabalhadores migrantes, que se começavam a concentrar em guetos multiculturais. Esta preocupação acabaria por entrar na agenda da Conferência Permanente de Ministros da Educação Europeus. A propósito desta problemática, Agostinho Monteiro desenvolve um estudo exaustivo sobre a promoção de uma educação intercultural e, inclusive, de uma educação para os direitos humanos, partindo da análise de diversos documentos produzidos, em especial pelo Conselho de Europa (Cf. Monteiro, 2001: 228-244). Na Recomendação 1089(1988) relativa ao melhoramento das relações intercomunitárias, a Assembleia Parlamentar, em 1988, reconhece o contributo que a educação intercultural poderá dar, quer na integração das populações migrantes nos seus espaços de acolhimento, quer na luta contra as diferentes formas de discriminação, quer ainda na eliminação do racismo e da xenofobia. As diferentes acções desenvolvidas neste período a favor da educação intercultural levariam à criação de um grupo de trabalho (liderado por Micheline Rey von Allmen), sobre a formação de docentes responsáveis pelos filhos de migrantes, e cujos trabalhos, decorridos entre 1977 e 1983, permitiriam chegar às seguintes conclusões:

- a noção de multiculturalidade é da ordem do descritivo, a de interculturalidade visa interacção, que exclui tanto a separação como a assimilação;
- a interculturalidade deve tornar-se um princípio geral de educação que implica o reconhecimento e valorização recíprocos entre culturas;
- a educação intercultural exige, nomeadamente: a revisão dos critérios de avaliação; uma abordagem artística como via privilegiada para a valorização das diferenças culturais; formação de professores para o conhecimento das culturas e as dificuldades da relação e comunicação interculturais (Cf. Monteiro, 2001: 229).

Relativamente à primeira conclusão, constatamos que o conceito de multiculturalidade ou de multiculturalismo surge, pela voz de alguns autores, associado à mera partilha de um determinado espaço por duas ou mais culturas ou etnias. Michel Wieviorka (1999), interrogando-se sobre a validade e actualidade do conceito de multiculturalismo, considera que este “remete demasiado para a imagem de simples coexistência democrática de culturas já estabelecidas (…)” (cit. por Casa-Nova, 2002: 26). Na mesma esteira, Ricardo Vieira (2000: 57) remete o termo multicultural para a simples “pluralidade de culturas em jogo”, ou seja, para a “coexistência de culturas e subculturas que se traduzem em diferentes efeitos”.
A noção de multiculturalismo suscita outras leituras. Luísa Cortesão (1997) considera mesmo que o multiculturalismo “é um conceito complexo e ambíguo de que os autores se socorrem, embora não partilhem obrigatoriamente da mesma visão do mundo” (cit. por Casa-Nova, 2002: 27). A mesma polissemia ou a falta de consenso parece verificar-se, tal como sublinha Rigoberta Menchú, relativamente ao conceito de interculturalidade, pelo facto da discussão sobre as possibilidades e metas desta estar “marcada por certa desconfiança e pelo desconhecimento dos seus limites e alcances” (Menchú, 2002: 63).
No entanto, o conceito de interculturalidade ou interculturalismo implica, segundo vários autores, um contacto, um diálogo, um convívio entre culturas, de modo a que se desenvolva um fortalecimento e enriquecimento dos laços sociais (Vieira, 2000; Peres, 2000; Lopes, 2001; Imbernón, 2000 e Menchú, 2002).
Contudo, apesar das possíveis e variadas interpretações, podemos encontrar vários pontos em comum entre os conceitos de multiculturalismo e de interculturalismo que se têm produzido. Em ambos os casos, o estudo dos fenómenos e problemáticas relativos a minorias, a migrações, a lutas sociais, à conquista de direitos de cidadania, justiça social, etc., têm-se feito recorrendo frequentemente à abordagem de outros conceitos, tais como, inclusividade, alteridade, diferença, diversidade, tolerância, entre outros. Acontece que, no entanto, nem sempre a análise a estas questões se faz tendo em conta as diferentes perspectivas e identidades culturais. Tal posicionamento poderá degenerar num clima de desconfiança, de crispação, de sentimentos de descriminação, levando a que se criem “caldos de cultura” propícios a germinação de fundamentalismos, sejam eles religiosos, étnicos ou de outra natureza.
Os imperativos e interesses económicos têm igualmente levado a que as grandes potências económicas – por vezes com o apoio das grandes instituições financeiras, como o FMI ou a OMC – adoptem políticas que têm como principais objectivos (quando não os únicos), a acumulação de fortunas, sem entretanto olharem às consequências negativas que resultam das suas investidas, com fortes prejuízos para as populações. São disto exemplos: a diminuição de recursos naturais, a poluição, a expropriação indiscriminada de terras, a exploração de mão-de-obra barata, a aculturação, etc. Este cenário de modo algum contribui para promover a interculturalidade. Nesta acepção se inscrevem oportunamente as palavras de Menchú:

“As políticas colonialistas, hegemónicas, monoculturais, excluentes, centralistas, discriminatórias e racistas são contrárias ao pleno reconhecimento e respeito pelas identidades nacionais e pela diversidade cultural dos povos; portanto, são contrárias à construção da convivência intercultural da humanidade” (Menchú, 2002: 64).

Roberto Carneiro (1997) admite que um projecto educativo verdadeiramente emancipador terá necessariamente que ser intercultural, elegendo o diálogo como condição necessária e indispensável para o entendimento entre culturas. E é desta forma que entramos na segunda e terceira conclusões do grupo de trabalho mencionado por Agostinho Monteiro.
Uma Educação Intercultural[1] terá de ter em consideração a afirmação da igualdade de direitos, a valorização da diversidade, o espírito de tolerância (não no sentido de condescendência) e o respeito pela identidade cultural. No entanto, “não deve ser vista como um projecto para as minorias, os povos indígenas ou os emigrantes. Ao contrário, deve conceber-se como um programa geral, dirigido a toda a sociedade, pois a interculturalidade num mundo pluricultural é uma questão que compete a todos” (Menchú, 2002: 68). É aqui que, como não podia deixar de ser, as instituições educativas e culturais jogam um papel importante, senão mesmo decisivo, na definição e adopção de um posicionamento interaccionista e contextual. Mas não sem antes romperem, como afirma Blandina Lopes (2001: 56), com os seus “caracteres unidimensionais”, de modo a integrarem a diversidade cultural.
Apesar do discurso ideológico, a previdência aconselha que tenhamos em linha de conta duas questões, quando abordamos a interculturalidade ou a educação intercultural. A primeira questão prende-se com a necessidade de estarmos conscientes que a educação intercultural não é panaceia para todos os males ou dificuldades educacionais que são frequentemente manifestadas pelas nossas crianças ou jovens, sobretudo da parte daqueles que constituem as minorias. Embora conscientes dos antagonismos de que são feitas as relações humanas e sociais, acreditamos que o conhecimento mais profundo de outras culturas contribuirá para combater quer o assimilacionismo, quer a aceitação passiva das diferentes culturas, quer a “guetização”, quer ainda a exclusão social. Importa promover a participação, “sustentada em situações de igualdade e em que cada grupo se reconhece e conhece também os outros” (Leite, 2003b: 43).
Uma formação em contexto intercultural implicará necessariamente professores e educadores preparados para trabalhar com a diversidade cultural. Estes profissionais da educação deverão manifestar um espírito de abertura face a essa mesma diversidade e à complexidade do real. Deverão recusar a perspectiva culturocentrista e concentrarem-se num modelo pedagógico aberto e dinâmico, capaz de proporcionar aos diferentes jovens experiências que lhes permitam criar laços, confrontar as suas perspectivas e modos de ver e de estar no mundo que os rodeia, sem que isso conduza naturalmente a qualquer tipo de assimilação cultural.
A segunda questão que se coloca diz respeito a determinados aspectos negativos de certas culturas, que persistem em determinadas práticas que violam os Direitos Humanos. A excisão feminina, uma tradição ancestral[2], é um exemplo, entre vários, de uma prática que, para além de constituir um risco para a saúde da pessoa em causa, atenta contra a dignidade humana. Rigoberta Menchú (2002), Ricardo Ibañez (2002) e Jurjo Santomé (2003) assumem posições críticas quanto a este tipo de situações. Defendem uma análise crítica dos próprios valores culturais. Assim, a compreensão do relativismo cultural e a aceitação das diferenças existentes nas diversas sociedades, deverá ser feita, tendo em conta determinados limites, respeitando questões de género, sexo, raça, etnia, entre outras. A preservação de tradições, de costumes, enfim, de identidades, não pode ser feita sacrificando valores universais dos direitos humanos. Jurjo Santomé adverte para os perigos de nos fixarmos em essencialismos que acabem por abrir portas para a manutenção de situações discriminatórias no seio de algumas culturas. O mesmo sublinha que

“não podemos esquecer que existem estilos de vida e comunidades que mantêm tradições e ritos que atentam profundamente contra direitos tão básicos como os direitos humanos e que se perpetuam porque não se acostumam a submeter a análise nem a debate, em situações de igualdade e liberdade” (Santomé, 2003: 125).

O autor refere-se, em concreto, à necessidade de se fazer uma revisão crítica desses essencialismos, adstritos a certas posições multiculturalistas – que advogam que as identidades são algo de fixo e imutável e que, por isso, algumas diferenças se devem manter –, consubstanciados num imobilismo que impede que os sujeitos mais vulneráveis, em função do sexo, etnia ou raça, se possam emancipar e conquistar direitos consagrados, impedindo que as sociedades se tornem mais justas e igualitárias.
Na defesa de uma escola cultural, uma educação intercultural terá necessariamente de passar por um processo do qual resulte a formação de sujeitos capazes de se abrirem à complexidade do real e à diversidade de culturas, desprendendo-se de perspectivas e visões do mundo unipessoais e absolutizantes, que adoptem formas de interacção supra-culturais que resultem na valorização da singularidade característica de cada cultura.


[1] Elegemos este conceito por considerarmos, antes de mais, a origem etimológica do termo “intercultural” (que aponta para um interacção entre culturas); depois, porque nos identificamos com as reflexões feitas por alguns autores sobre esta matéria, tais como, Menchú (2002), Imbernón (2002) ou Leite (2003).
[2] Calcula-se que, na actualidade, esta prática – com origem, segundo alguns historiadores, ainda antes do século V a.C. – ainda se verifica em 28 países africanos e alguns asiáticos. Cf. Melro (2005: 40).


BIBLIOGRAFIA

CARNEIRO, Roberto (1997). “Educação para a cidadania e cidades educadoras”. In Brotéria, 144, pp. 397-398.
CASA-NOVA, Mª José (2002). Etnicidade, Género e Escolaridade. Estudo em torno das socializações familiares de género numa comunidade cigana da cidade do Porto. Lisboa: Instituto de Inovação.
IBAÑEZ, Ricardo (2002). “La Educación Intercultural en la Nueva Escuela”. In Patrício, Manuel (org.). Globalização e Diversidade : a Escola Cultural, uma resposta. Porto: Porto Editora, pp. 89-102.
IMBERNÓN, Francisco (2002). “Introducción: El nuevo desafio de la educación. Cinco ciudadanías para un futuro mejor”. In Imbernón, Francisco (coord.). Cinco ciudadanías para una nueva educación. Barcelona: Editorial Graó, pp. 5-14.
LEITE, Carlinda (2003b). Para uma escola curricularmente inteligente. Porto: Edições Asa.
LOPES, Blandina (2001). “A reconstrução do sujeito”. In Carvalho, Adalberto (org.). Filosofia da Educação: temas e problemas. Porto: Edições Afrontamento, pp. 37-59.
MENCHÚ, Rigoberta (2002). “El sueño de una sociedad intercultural”. In Imbernón, Francisco (org.). Cinco ciudadanías para una nueva educación. Barcelona: Editorial Graó, pp. 63-81.
MONTEIRO, Agostinho (2001). Educação da Europa e a aprendizagem da democracia. Porto: Edições Asa.
PERES, Américo (2000). Educação Intercultural: Utopia ou Realidade? 2ª Edição. Porto: Profedições.
SANTOMÉ, Jurjo (2003). “A educación escolar en las sociedades multiculturales”. In Bonafé, Jaume (coord.). Ciudadanía, poder y educación. Barcelona: Editorial Graó, pp. 113-132.
VIEIRA, Ricardo (2000). Ser igual, ser diferente. Encruzilhadas da identidade. 2ª Edição. Porto: Profedições.