domingo, 21 de agosto de 2016

Expedição ao Pico Lenine, na Cordilheira do Pamir


A cordilheira Pamir, situada na Ásia Central, é formada pela união das cordilheiras Tian Shan, Karakorum, Kunlun e Indocuche. Os Pamir estão entre as montanhas mais altas do mundo. Também são conhecidas pelo nome chinês Congling.
Situado na cordilheira Trans-Alai, na fronteira entre Quirguistão e Tajiquistão, o Pico Lenine alcança os 7.134 m de altura. Originalmente chamado de Monte Kaufmann, é o segundo cume mais alto do Pamir e o segundo mais alto da ex-União Soviética.
Foi precisamente desta região asiática que regressei, há pouco mais de uma semana, depois de uma estadia de 23 dias, 17 deles passados em alta montanha.
A expedição contou com uma logística característica das grandes expedições, que envolve vários campos de altura, cozinha, carregadores e médico.
Para adaptação à grande altitude, os alpinistas passam por aquilo que se designa de “aclimatação”, ou seja, um processo marcado por mudanças fisiológicas, que decorrem dos efeitos provocados pela baixa pressão atmosférica, pelo frio intenso e a rarefacção de oxigénio. Alguns dos sintomas mais comuns sentidos pelos alpinistas são: a hiperventilação, tonturas e vómitos. Para responder a tais sintomas, os alpinistas necessitam de ir subindo gradualmente, parando pelos diferentes campos de altura, onde se encontram estaladas tendas, onde terão de repousar, regressando posteriormente aos anteriores, incluindo o primeiro, o campo base. Este percurso de “sobe e desce” ocorre as vezes que forem necessárias, até o corpo se adaptar à altitude e estar pronto para o ataque final ao cume. Além disso, uma boa hidratação torna-se imprescindível. A alimentação, que deverá vir de trás, do período pré-montanha, deverá incluir naturalmente hidratos de carbono, proteínas, vitaminas, minerais, barras e bebidas energéticas (que reúnem vários nutrientes) e muito chã. E foi assim que aconteceu. Além do campo base, ponto de partida, estavam montados mais 3 campos de altura, com desníveis a rondar os 900 m de altura entre eles. O percurso cruza glaciares, de fendas profundas, e zonas marcadas por avalanches pontuais, como tive a oportunidade de assistir por duas vezes… à distância!
Nos primeiros 10 dias a aclimatação decorreu bem, sentindo-me bem fisicamente e motivado. Durante este período alcancei, inclusive, um “ombro”, ou se preferirmos, um pico secundário do Pico Lenine, o Razdelnaya, com 6.148 m de altitude.
Contudo, na última semana senti um ligeiro decréscimo na minha condição física. Nada que, entretanto, me afectasse a determinação em conseguir o meu principal objectivo: o cume.
No dia do ataque ao cume, a 8 de Agosto, iniciado às 3 da madrugada a partir do campo 3, acabei por ser traído pelo meu próprio equipamento. O que vou dizer parece erro de principiante ou de amador, mas certo é que acabei por perceber, e sentir na pele, que quer as minhas botas, quer as minhas luvas não eram as indicadas para as baixíssimas temperaturas que se fizeram sentir (e que ali são habituais), e que rondavam os -18°C. Comecei a perder a sensibilidade nalguns dedos das mãos e dos pés. A dada altura passei a ter dificuldades em segurar os bastões, importantes instrumentos de apoio na progressão no terreno. Ainda fiz várias tentativas, mas logo um caso me veio à memória. Tratou-se de um alpinista que, uma semana antes, e na mesma montanha, sofreu congelações e consequentes amputações de dedos das mãos”. Ora entre conservar os meus dedos ou alcançar o cume, optei naturalmente pela primeira opção. Assim, passada uma hora de ascensão, e aos 6.300 m de altitude, dei meia volta e voltei ao campo 3. São sempre decisões difíceis de tomar, mas o bom senso tem necessariamente de prevalecer. Quando o tempo ou as condições de terreno não ajudam, ou, como neste caso, o equipamento não é adequado, o melhor mesmo é dar prioridade à vida, em detrimento do cume. Este continuará a estar lá para novas oportunidades.
Agora, para além de ter de recuperar os 6 kg de peso que perdi, ainda necessito de algum tempo para reaver a sensibilidade total de dois dedos.
Apesar de não ter alcançado o cume do Pico Lenine, não deixo de valorizar a experiência enriquecedora que vivi, única, diria. Para além do conhecimento adquirido sobre a logística e a responsabilidade que comportam uma expedição “a sério”, fiquei ainda mais motivado, com mais vontade e determinação em continuar a lutar pelos meus projectos de montanha, e por novas ascensões.

O próximo passo será fazer um peditório para umas botas e luvas de expedição, que não são nada baratas!