quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Certificação do carácter


A questão que me traz por cá, numa primeira análise poderia parecer extemporânea, uma vez que tem por base um diploma legal[1] publicado no primeiro mês do ano. Todavia, estando-se a iniciar um novo ano escolar, acaba por tornar-se oportuno, sendo igualmente da maior pertinência.
Um artigo publicado no Jornal de Notícias, no passado dia 1 de Julho, da autoria da jornalista Alexandra Inácio, versava uma mudança na certificação das actividades não lectivas em que os alunos habitualmente participam. Ou seja, a partir de agora os certificados passados pela escola aos alunos que concluam o 9º ano de escolaridade (e ao que tudo indica também o 12º), passam a ver descriminados, para além dos resultados escolares, todas as actividades extra-curriculares em que tenham estado envolvidos, nomeadamente, desporto escolar, clubes (de leitura, poesia, música, artes plásticas, etc.), acções de voluntariado, de educação para a saúde, cargos em associações de estudantes, entre outros. Falamos, como é óbvio, de projectos bem estruturados, orientados e com resultados tangíveis. Esta é, aliás, uma situação que se verifica há vários anos, noutros países, como são exemplo os Estados Unidos ou Inglaterra. Nestes, o currículo do aluno é devidamente escrutinado no momento do acesso ao ensino superior.
O referido artigo recebeu a colaboração dos presidentes da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE) e da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (Andaep), Manuel Pereira e Filinto Lima, respectivamente, que se congratularam com a medida apresentada pelo ministério da Educação. Também o secretário de Estado da Educação, João Costa, deu o seu contributo.
Para Manuel Pereira, esta forma de certificação será “uma espécie de currículo que pode ser apresentado numa candidatura de emprego ou à universidade”. Mas mais importante, e como o próprio sublinha, “a medida pode até servir para incentivar os alunos, no futuro, a participarem mais nas actividades e projectos escolares”. E eis aqui uma boa forma de promover a educação para a cidadania. Mais ainda, uma forma de proporcionar às crianças e jovens oportunidades para demonstrarem outras capacidades e competências que não são avaliadas nos programas disciplinares, particularmente aquelas que se prendem com a dimensão humanística e cívica.
Dados os inúmeros maus exemplos, diariamente mediatizados, que as sociedades actuais deixam transparecer, cada vez mais se torna imperativa uma educação e formação assente em valores, ou se preferirmos, na ética. Poderia aqui desfiar um conjunto de iniciativas, como por exemplo as já referidas actividades de voluntariado, que podem contribuir para desenvolver no aluno um conjunto de competências sociais, que certamente ajudarão a formação do seu carácter, dando assim um contributo efectivo para a formação plena do indivíduo. Alguns e crescentes fenómenos que vão ocorrendo um pouco por todo o lado, e que são deveras preocupantes, como a xenofobia, o racismo ou fundamentalismos de vária ordem, reclamam que os alunos experimentem a solidariedade, a partilha, a ajuda, a generosidade, enfim, o altruísmo. Mais do que outros, este é um tipo de “empreendedorismo” que seria desejável ver de forma mais recorrente nas escolas!
Voltando à certificação, para o presidente da Andaep esta novidade é uma questão de cidadania. Como sublinha, “as escolas preparam cidadãos do futuro. E assim dos currículos constará, oficialmente, não só as notas como o aluno na sua plenitude”.
Citado por Alexandra Inácio no seu artigo, o secretário de Estado da Educação frisa que, “com esta medida pretende-se cumprir um duplo objectivo: por um lado, garantir o reconhecimento devido a inúmeras actividades promovidas pelas escolas e outras organizações, em parceria com as escolas, no desenvolvimento de competências na área da cidadania, na promoção da saúde, ou outras. (…) Por outro lado, reconhece-se, na certificação dos alunos, que estas são actividades que contribuíram para o seu crescimento e desenvolvimento”.



[1] Despacho normativo n.º 1-F/2016, de 5 de Abril.