domingo, 27 de fevereiro de 2011

Educação Visual para a Cidadania

O espaço dos Direitos Humanos não tem limitações geográficas. Deverá este ser considerado à escala planetária, ou seja, universal. Assim, através desta perspectiva globalizante e inter-relacional, a violação dos direitos mais elementares numa determinada face do planeta provocará certamente um desequilíbrio noutros espaços geográficos e sociais. Numa relação de causa-efeito, poderíamos dar o exemplo das consequências nefastas das guerras ou conflitos armados: fome; refugiados; inflação; destruição do meio ambiente, do património e de infra-estruturas básicas; crimes; violações de vária ordem, etc.
Uma educação para a cidadania e a defesa de valores, tais como a ética, a democracia, a liberdade, a solidariedade, a justiça, a tolerância, o pluralismo, entre outros, deverá, por um lado, consubstanciar-se numa reflexão sobre aquelas situações-problema e, por outro, proporcionar situações concretas de aprendizagem no espaço escolar (um espaço público e educativo por excelência), de modo a que o aluno apreenda aqueles valores. Educar para os Direitos Humanos será, então, “criar situações que permitam construir conhecimentos que sirvam para inspirar práticas conformes” (Almeida, 2000: 122). Ao mesmo tempo, os Direitos Humanos constituem, como lembra Alain Le Guiader (2000: 29), “um princípio alternativo de solidariedade internacional e o fundamento de outras aventuras humanas, com configurações inéditas, de que ninguém seria excluído”.
A respeito de convivência entre povos e culturas, importa ainda destacar dois aspectos significativos. Quanto ao primeiro, e na sequência da reflexão que decorre das linhas anteriores, consideramos que o caminho para uma sociedade intercultural poderá passar, como defendem Sebastián Fernandez & Mª Carmen Franco, pela “necessidade de educar em valores e atitudes positivas para a solidariedade, o respeito e a tolerância entre os seres humanos”. Só assim, referem os autores, “poderemos lograr que as situações multiculturais cheguem a ser verdadeiramente interculturais” (Fernandez & Franco, 2002: 19). Contudo, e relativamente ao segundo aspecto, importa salientar que o respeito e a tolerância têm os seus limites. Logo, a interculturalidade deverá jogar-se dentro do respeito pelos Direitos Humanos, assim como pela Constituição e leis de cada país.
A multiculturalidade pode ser um ponto de partida para a criatividade e para a universalidade. A educação intercultural constitui um processo que nos ajuda a compreender melhor os significados e as representações de cada povo ou cultura. Deste modo, vêm a propósito as observações de Eduarda Coquet (2004: 1), quando sublinha que: “A educação artística e estética das nossas crianças e jovens não é possível sem uma educação intercultural, que lhes permita olhar aquilo que os rodeia de uma maneira esclarecida”.Servimo-nos das considerações de Juan Izquierdo para resumir as linhas pelas quais a Educação Visual deverá orientar-se dentro daquele que será o seu campo de intervenção. Assim, o autor entende que a “educação visual centrada na experimentação directa, na aquisição de conhecimentos através do vivido, não de concepções estereotipadas da realidade, ajuda-nos na hora de fixar os objectivos que há que trabalhar com processos de criação artística fundamentais na imagem:

- Educar a forma de ver dos nossos alunos, já que a visão é um dos sentidos que se utiliza nestas idades, na construção da personalidade.
- Estabelecer umas pautas para as quais se possa afrontar a quantidade de informação visual com a que temos que conviver na actualidade.

- Desenvolver a capacidade de leitura, crítica e de apreciação que permita aos nossos alunos seleccionar, analisar e filtrar a infinidade de mensagens que lhes chegam dos mass-media.
- Ir um pouco mais além a partir da educação visual, indagando e experimentando com as possibilidades criativas e educativas que apresentam as artes visuais.
- Utilizar todos os recursos audiovisuais de que dispõe um centro que sejam integráveis em propostas de criação artística.
- Colocar nas mãos dos nossos alunos tais meios para que formulem novas ideias ou reformulem as que já têm.
- Concentrar todo o nosso esforço para conseguir pessoas mais criativas, capazes de suportar e contribuir para a mudança da sociedade pós-industrial” (Izquierdo, 2001: 164-165).

Inúmeros são os autores que vêm defendendo, desde tempos longínquos, que as artes, a educação artística ou a Educação Visual, representam um contributo determinante, e por isso imprescindível, na educação do cidadão.
No entender de Isabel Kowalski (2000: 126): “A ligação íntima entre lúdico, expressão artística, criação, fruição, apreciação, pode ser optimizada pelo educador, desde que dela tenha consciência pedagógica”. Logo, acrescenta que se trata de “uma perspectiva que engloba vertentes diversas quer ao nível do desenvolvimento pessoal da criança, quer da integração de saberes, quer, numa visão mais lata, da educação para a cidadania, permanente e fazedora de cultura”. Por seu lado, José Soares reconhece a importância da disciplina de Educação Visual numa Educação para a Cidadania. O autor sublinha que, para tal, aquela “deve explorar a aproximação do aluno à vida real, nomeadamente na percepção do seu sentido social, na aquisição de auto-estima e de autonomia pelo desenvolvimento da sua criatividade e pela identificação de códigos de comunicação visual que lhe permitem obter uma atitude crítica face às mensagens veiculadas pelos mass-media e aceitar e compreender a diversidade cultural” (Soares, 2003: 41).
Poderíamos dizer que uma educação que tenha por base a arte, para além da necessária tarefa de desenvolver a sensibilidade estética, a aprendizagem e domínio da linguagem e gramática visual, as capacidades de comunicação e expressão, tem igualmente uma função social, ou seja, desenvolver uma aprendizagem centrada nos valores éticos e de convivência, no respeito pela diversidade, na integração do cidadão, na participação na vida social e política. Logo, cremos estarem lançados os dados para compreendermos que uma Educação Visual para a Cidadania significará, essencialmente, servirmo-nos da arte e de tudo aquilo que ela representa na formação global do sujeito, para dotar os nossos educandos das competências necessárias para compreenderem o mundo de uma maneira crítica, inteligente e consciente, podendo e devendo intervir e participar activamente na comunidade local e global, lutando pela liberdade e dignidade de cada ser humano.

BIBLIOGRAFIA:
- ALMEIDA, Zélia (2000). “Da norma à (in)tranquilidade: Espaços e Limites”. In Carvalho, Adalberto (org.). A educação e os limites dos direitos humanos. Ensaios sobre a Filosofia da Educação. Porto: Porto Editora, pp. 115-124.
- COQUET, Eduarda (2004). “A Educação Multicultural”. In Ensinarte. Braga: Centro de Estudos da Criança/Universidade do Minho, p.1.
- FERNÁNDEZ, Sebastián & FRANCO, Mª Carmen (2002). Los relatos de convivência como recurso didáctico. Málaga: Ediciones Aljibe.
- IZQUIERDO, Juan Carlos (2001). “La educación visual en educación secundaria”. In Caja, Jordi (Coord.). La Educación Plástica y Visual hoy. Educar la mirada, la mano y el pensamiento. Barcelona: Editorial Graó, pp. 159-206.
- KOWALSKY, Isabel (2000). “Educação Estética: a fruição nos primeiros anos do ensino básico”. In VARÍOS. Educação pela Arte. Lisboa: Livros horizonte, pp. 119-126.
- LE GUYADER, Alain (2000). “Os direitos do homem e a questão dos limites. Notas para um panegírico”. In Carvalho, Adalberto (org.). A educação e os limites dos direitos humanos. Ensaios sobre a Filosofia da Educação. Porto: Porto Editora, pp. 11-29.
- SOARES, José (2003). Como abordar a cidadania na escola. Porto: Areal Editores.