sábado, 12 de dezembro de 2015

Desafios para a Educação

Em vésperas das eleições legislativas do passado dia 4 de Outubro, o nº 1173 do Jornal de Letras dá a conhecer as respostas dadas a um inquérito, levado a cabo por este quinzenário, por quatro especialistas e ex-ministros da educação. São eles, David Justino, Guilherme de Oliveira Martins, Júlio Pedrosa e Roberto Carneiro. Das quatro questões colocadas destacaria a primeira, não só por ser a mais abrangente em termos de conteúdo, mas também por lançar pistas reflexivas para as restantes.
A questão: Quais entende serem os principais problemas e as maiores dificuldades da educação – sistema educativo e de ensino e escolas – em Portugal, neste momento?
O contributo dos inquiridos é precioso, merecendo, por isso, uma reflexão cuidada por parte de todos os que efectivamente se interessam pelo presente e futuro dos nossos jovens.
Cultura de sucesso, valorização dos actores educativos, compromissos duráveis e contrato de regime são as ideias-chave apontadas pelo conjunto dos intervenientes, como réplica aos problemas que enunciam. Há uma consensualidade entre os quatro ex-responsáveis pela pasta da educação sobre as taxas elevadas de insucesso, retenção ou abandono escolar.
David Justino acusa o elevado grau de ineficiência e selectividade do ensino, ao mesmo tempo que aponta a necessidade de renovação e qualificação do corpo docente.
Júlio Pedrosa denuncia as assimetrias regionais, decorrentes de realidades sociais e culturais distintas, que acabam por se reflectir em contexto de sala de aula, bem como a falta de cultura de diálogo entre os principais agentes educativos. Neste ponto, advoga a premência da aposta na educação de adultos e na formação de professores, especialmente ao nível da educação para os valores.
Guilherme de Oliveira Martins coloca a tónica na diversificação de percursos escolares e na sua adequada avaliação, e a articulação entre educação, ciência e cultura. Esta última questão é, sem margem para dúvidas, imperiosa para o desenvolvimento e progresso de uma sociedade nas suas múltiplas vertentes.
Sem desconsiderações, Roberto Carneiro é, destes quatro ex-ministros que tutelaram a pasta da educação, o mais contundente, mais claro e mais objectivo na abordagem dos problemas do nosso sistema educativo, o que só demonstra a visão globalizante e integrada que tem sobre a Educação. Não é por acaso que é umas das referências maiores nas Ciências da Educação, que vai muito para lá das nossas fronteiras.
Defensor daquilo que designa de “Cidades Educadoras”, de uma cidadania nas suas mais relevantes dimensões (democrática, social, paritária, intercultural e ambiental), como diz, partilhada por todos e por cada um de nós, Roberto Carneiro denuncia problemas estruturais do nosso sistema educativo, que persistem numa organização pedagógica e curricular fragmentária que, entre outras lacunas, desvaloriza a integração de saberes em experiências significativas de vida; a sobrevalorização dos títulos académicos universitários relativamente aos que resultam das vias vocacionais e profissionais, que evidencia uma visão classista que teima em persistir; as insuficientes e débeis respostas a determinados grupos sociais ou culturais, entre outros, minorias étnicas, refugiados ou migrantes, grupos religiosos específicos e crianças com necessidades educativas especiais. Roberto Carneiro sintetiza: “apesar dos 40 anos de democracia, intensamente vividos, e da democratização exemplar do acesso à escola, o sistema educativo português continua a reproduzir os paradigmas dominantes do regime anterior, o Estado Novo; uma fortíssima seletividade escolar ao invés da tão badalada inclusividade; a manutenção de uma estruturação do sistema nos ciclos do passado (4+2+3+3); a secundarização social imposta a profissões manuais com o consequente cortejo de menorizações das vias de estudos profissionais; a conservação dos tiques de um sistema elitista que recusa a abertura a crianças diferentes (…); um sistema de formação inicial de professores que não os dota das competências didáticas indispensáveis (…)”.
É uma ilusão, para não dizer pura demagogia, pensar que uma sociedade pode atingir, como é recorrente e exaustivamente dito e escrito, níveis de desenvolvimento, progresso e qualidade de vida, sem investir, dentro e fora da escola, na resposta a estes problemas que, como vimos, persistem há demasiado tempo. Ao ignorar esta realidade, estaremos a contribuir para manter o nosso crónico défice de cidadania, para debilitar o Estado de Direito, para conspurcar a nossa identidade nacional, menosprezar o nosso legado cultural, e assim, a hipotecar o futuro das nossas crianças e jovens, e por consequência, do nosso país.