sábado, 26 de novembro de 2016

Uma imperiosa reforma de mentalidades… nada fácil!

O sistema de ensino finlandês é um caso de sucesso reconhecido mundialmente. A visão e a ousadia nas reformas educativas, corporizadas num projecto traçado para longo prazo, aliadas a um trabalho cooperativo que envolve toda a comunidade educativa (professores, pais, alunos, sociedade, empresas, etc.), têm, desde há vários anos, colocado o país no topo do ranking mundial de avaliação em educação. Para que aí se chegasse foi necessária uma reforma séria e consequente de políticas educativas, associada a uma reciclagem de mentalidades e de práticas, algo que por cá tarda em consomar-se. Comparando o comparável, farei um breve paralelismo entre os dois sistemas de ensino.
Comecemos pela escolha de escola. Na Finlândia não há rankings de escolas. Como afirma o Director Geral de Educação finlandês, Jorma Kauppinen, todas são consideradas boas. Embora os pais possam escolher a que quiserem para o seu filho, normalmente optam pela que estiver mais próxima da sua área de residência. Portanto, não existe esta coisa de “Escola de Elite”! Em Portugal temos os famosos rankings, que têm servido sobretudo para promover as escolas privadas, com o beneplácito e “glosagem” da comunicação social.
Na Finlândia não há hierarquização de disciplinas, ou seja, ninguém considera, por exemplo, que Matemática é mais importante do que as disciplinas de formação artística. Aliás, alunos que demonstrem aptidão para as artes são encaminhados para a constituição de turmas de referência. Os professores das diferentes disciplinas têm a perfeita consciência da importância que cada uma delas tem na formação e educação integral do aluno, e demonstram-no na prática. Por cá, a situação funciona ainda como uma espécie de castas. Tivemos inclusive um malogrado ministro da Educação (o Dr. Crato, é bom lembrar) que designava umas disciplinas de “fundamentais” (conceito que ficou por esclarecer!), referindo-se à Matemática e ao Português, e outras, pela lógica, de “não fundamentais”! Infelizmente, isto é o que muitos pais, professores e até directores pensam. Enfim, almas desencontradas!
Lá a carga lectiva é distribuída equitativamente pelas disciplinas. Por cá, ao longo dos tempos foram-se suprimindo horas lectivas às de expressão para aumentá-las à Matemática, Português e outras.
Na Finlândia, por volta das 13h a maioria dos alunos terminam as aulas, sendo o resto do dia reservado para brincar, passear, ler, visitar parques ou museus, conviver com amigos ou família, ajudar nas tarefas de casa, etc. Os trabalhos de casa, que são raros, são feitos na escola e com o apoio dos professores. Em Portugal, salvo no final do secundário, os horários são, de modo genérico, muito preenchidos, com tempos reduzidos para a prática de actividades físicas/desportivas ou outras. O contacto com a família faz-se de forma fugaz, pois ainda há TPC para fazer! Quanto a estes… fica para outro artigo. Apenas dizer que a este respeito continua a haver muita falta de bom senso…
Os finlandeses não categorizam os seus alunos segundo as suas capacidades ou aspirações profissionais. Um engenheiro, por exemplo, tem o mesmo respeito e dignidade que um carpinteiro. Não há distinção entre alunos “bons” e “maus”. Tanto os mais “inteligentes” como os que têm dificuldades de aprendizagem, estão misturados, trabalham em grupo, sendo os segundos apoiados pelos primeiros. Portanto, preconiza-se um trabalho colaborativo. Por outro lado, é proibido fazer comparações entre alunos a nível de resultados escolares. Em Portugal assistimos, com frequência, ao individualismo e à competição entre alunos, como se de uma prova desportiva se tratasse. Depois, e para nós que somos muito dados a rankings, há esta ideia luzente que são os “Quadros de Mérito”, noutros lados também designados de “Honra” ou “Excelência”, onde figuram os alunos com melhores notas. Os seus partidários servem-se de alguns sofismas para os justificarem, sendo um deles, o de motivar os alunos não “galardoados” a seguirem o exemplo. Se realmente assim fosse, então não tardaria a assistir-se a um aumento considerável dos inscritos nos ditos quadros! Façam as estatísticas. Mas o busílis da questão é outro. Refiro-me ao “berço” em que cada um nasce e cresce. Uma variedade de estudos nacionais e internacionais apontam que os alunos provenientes de meios socioeconómicos favorecidos, tendem a obter, em média, melhores resultados escolares do que os seus colegas oriundos de meios mais desfavorecidos. Destacam ainda a importância do nível académico dos pais. Logo, o ponto de partida e o terreno em que uns e outros alunos se movem são bem distintos.
Sem desconsiderar, obviamente, as notas e os alunos que tanto se esforçam para conseguirem as melhores (e aqui destaco que a melhor recompensa/prémio que podem obter, é o orgulho sentido pelos próprios, certamente partilhado pelos seus pais, entre outros), devia-se sim, fomentar e premiar o carácter, quero dizer, o comportamento solidário, cooperativo, altruísta, enfim, humanista. É disto que as sociedades necessitam em primeiro lugar. Hoje mais do que nunca.
Muito mais haveria a dizer sobre, por exemplo, currículo, metodologias de ensino, avaliação ou gestão escolar. Fica para outra ocasião.
Termino apenas dizendo que enquanto nas escolas finlandesas se pratica e se vive uma democracia participativa, cá, salvo excepções, predomina o centralismo, a burocracia, a tecnocracia e a meritocracia. Os finlandeses acreditam que a escola deve ensinar ao aluno, acima de tudo, a ter uma vida independente no futuro. Por aqui a prioridade recai no domínio de apenas algumas matérias…