
Tenho que agradecer ao Prof. Marcelo Rebelo de Sousa pela inspiração que me suscitou para escrever este artigo, através da sua mais recente eucaristia dominical. Tão ilustre comentador, à semelhança de tantos outros, continua a manifestar profunda ignorância acerca desta problemática da avaliação de professores, que tem merecido destaque nos media.
Pergunto: como é possível que quer entrevistadores, quer entrevistados continuem a abordar este tema, sem terem o cuidado e o bom senso de fazer uma análise pormenorizada do novo Estatuto da Carreira Docente dos professores do ensino básico e secundário, e/ou de descerem das suas tribunas resguardadas para virem à escola, para falarem com professores ou conselhos executivos? Certamente que evitaríamos que se ouvissem barbaridades, tais como: “os professores nunca foram avaliados”; “os professores não querem ser avaliados”; “os professores são os responsáveis pelo laxismo ou insucesso escolar que reina nas nossas escolas”; “os professores representam uma corporação de interesses instalados”, etc., etc., etc.
Gostaria de ver a mesma dedicação com que alguns jornalistas se debruçam sobre outros temas da actualidade social, por vezes com uma saciedade desmedida, direccionada também para a questão da avaliação de professores. Gostaria de ver os jornalistas e outros intervenientes da praça pública darem a conhecer a verdade, enfim, aquilo que na realidade está aqui em causa. Pois saiba-se que se trata tão-somente de medidas economicistas que o governo do Eng. Sócrates (e à semelhança de outros governos) pretende impor, não só no sector da educação, mas também na função pública em geral. Falo de medidas adoptadas pelas políticas neoliberais, que continuam a sua grande cruzada insaciável pela privatização do sector público e pelo desmantelamento do estado social. A voracidade dos falcões é tal, que nenhum governo resiste à tentação de entregar de bandeja o sector público a grandes grupos/lóbis económicos que, sabemos, patrocinam as suas campanhas eleitorais ou que prometem, para um futuro mais ou menos próximo, cargos muito bem remunerados. Assim, a receita é simples: reduz-se a autonomia das instituições; reduz-se o investimento nos recursos humanos e financeiros; apresentam-se estatísticas que culpabilizem as instituições e seus agentes pelos resultados obtidos (frequentemente advindas de estudos com critérios de análise duvidosos, ou realizadas em contextos distintos, e por isso sem aplicabilidade no contexto português); acusam-se as administrações de má gestão e de buracos orçamentais, e eis, por último, que surge a entrega ao sector privado ou àquilo que se designa de parcerias público-privadas, e que, confesso, continuam, para mim, envoltas de muita nebulosidade.
Mas voltemos ao nosso Prof. Marcelo, para dizer que este é um caso notório de dois pesos e duas medidas nas análises que desenvolve. Se por um lado não se tem cansado de criticar a ministra da educação pela sua postura arrogante, bem como o modelo de avaliação que a mesma pretende impor, sem testagem e sem diálogo, por outro não deixa de acusar os sindicatos de professores de extremismo. Acusa a ministra de intransigência, mas não deixa de criticar as suas cedências. Mas o mais hilariante surge quando o ilustre orador pretende insinuar que os sindicatos, qual orquestrada máquina político-ideológica (à boa semelhança dos regimes totalitários), controlam as pobres mentes dos docentes deste país. Se não fossem as suas eternas pretensões políticas, acredito que o nosso comentador não hesitaria em comparar publicamente as duas grandes manifestações de professores, ocorridas na capital, a um rebanho de carneiros que se limitou a seguir o pastor, diga-se, a plataforma sindical.
Posto isto, e uma vez que parece evidente que não será através da imprensa que veremos surgir os esclarecimentos necessários à opinião pública sobre o tema em debate, nem que brotará uma solução a partir das propostas desajustas, extemporâneas ou comprometidas de alguns dos partidos da oposição, só resta aos professores unirem-se e prosseguirem a sua luta pelo respeito e justiça que lhes são devidos e, claro está, pela defesa de uma escola pública de qualidade.