
Bem, o que me traz hoje aqui é precisamente as palavras de um ilustre escritor: Eça de Queirós. Embora escassos, os meus conhecimentos sobre literatura permitem-me, sem a menor hesitação, concordar com aqueles que apelidam este poeta e romancista de “mestre da literatura”, de “génio”, de “talentoso” ou de “artista”. Até à data, dele apenas tinha lido “Os Maias” e “A Ilustre Casa dos Ramires”.
Recentemente adquiri um livro intitulado, “Citações e pensamentos de Eça de Queirós”, uma colectânea de textos do autor, feita por Paulo Neves da Silva. É impressionante a actualidade desses pensamentos do Eça! Destaco, por exemplo, o que ele diz a respeito de alguns temas ou conceitos, como por exemplo: Arte, Crise, Crítica, Democracia, Economia, Governo, Humanidade, Política, Religião, etc., sobretudo quando explanados no contexto luso.
Desse livro, elegi um desses pensamentos, que trago à colação, precisamente porque dá que pensar! É sobre os AMANTES. Pois, por vezes não imaginamos (ou não nos atrevemos a imaginar) o que representará ou o que poderá ocultar um gesto, um olhar, um sinal de aparente indiferença ou distracção, sei lá, tantos propósitos! Quem se der ao trabalho ou tiver especial interesse, e com a devida perspicácia, claro, poderá fazer esse exercício hermenêutico, independentemente dos seus resultados. Foi precisamente isto que Eça de Queirós fez no texto que passo a citar.
O encanto de ter um(a) amante
“Para a generalidade das mulheres, ter um amante significa ter uma quantidade de ocupações, de factos, de circunstâncias a que, pelo seu organismo e pela sua educação, acham um encanto inefável. Ter um amante - não é para elas abrir de noite a porta do seu jardim. Ter um amante é ter a feliz, a doce ocasião destes pequeninos afazeres - escrever cartas às escondidas, tremer e ter susto: fechar-se a sós para pensar, estendida no sofá; ter o orgulho de possuir um segredo; ter aquela ideia dele e do seu amor, acompanhando com uma melodia em surdina todos os seus movimentos, a toilette, o banho, o bordado, o penteado: é estar numa sala cheia de gente, e vê-lo a ele, sério e indiferente, e só eles dois estarem no encanto do mistério; é procurar uma certa flor que se combinou pôr no cabelo; é estar triste por ideias amorosas, nos dias de chuva, ao canto de um fogão; é a felicidade de andar melancólica no fundo do cupé; é fazer toilette com intenção, o maior dos encantos femininos! Etc.
Estas pequeninas coisas, que enchem a sua existência, que a complicam em cor-de-rosa, que a idealizam - são a sua grande atracção. É o que amam. O homem amam-no pela quantidade do mistério, de interesse, de ocupação romanesca que ele dá à sua existência. De resto, amam o amor. Havia muito deste sentimento nas místicas e nas antigas noivas de Jesus. Amavam a Deus porque ele era o pretexto do culto.”
(Eça de Queirós, in “Uma Campanha Alegre”)
“Para a generalidade das mulheres, ter um amante significa ter uma quantidade de ocupações, de factos, de circunstâncias a que, pelo seu organismo e pela sua educação, acham um encanto inefável. Ter um amante - não é para elas abrir de noite a porta do seu jardim. Ter um amante é ter a feliz, a doce ocasião destes pequeninos afazeres - escrever cartas às escondidas, tremer e ter susto: fechar-se a sós para pensar, estendida no sofá; ter o orgulho de possuir um segredo; ter aquela ideia dele e do seu amor, acompanhando com uma melodia em surdina todos os seus movimentos, a toilette, o banho, o bordado, o penteado: é estar numa sala cheia de gente, e vê-lo a ele, sério e indiferente, e só eles dois estarem no encanto do mistério; é procurar uma certa flor que se combinou pôr no cabelo; é estar triste por ideias amorosas, nos dias de chuva, ao canto de um fogão; é a felicidade de andar melancólica no fundo do cupé; é fazer toilette com intenção, o maior dos encantos femininos! Etc.
Estas pequeninas coisas, que enchem a sua existência, que a complicam em cor-de-rosa, que a idealizam - são a sua grande atracção. É o que amam. O homem amam-no pela quantidade do mistério, de interesse, de ocupação romanesca que ele dá à sua existência. De resto, amam o amor. Havia muito deste sentimento nas místicas e nas antigas noivas de Jesus. Amavam a Deus porque ele era o pretexto do culto.”
(Eça de Queirós, in “Uma Campanha Alegre”)