terça-feira, 28 de maio de 2024

A aprendizagem da liberdade, autonomia, resistência e empatia

Entre os dias 27 de Outubro de 2023 e 3 de Maio de 2024 decorreu no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa o Ciclo de Conferências sobre os Futuros da Educação, da Cátedra UNESCO. Dos vários conferencistas presentes escolhi falar sobre o professor e pedagogo neerlandês Gert Biesta, pela forma curiosa e interessante como explora alguns conceitos, em particular o de “resistência”.
Numa entrevista dada ao DN (20/04/2024), Gert Biesta é questionado precisamente sobre o destaque dado à palavra “resistência” no seu trabalho académico. Perante a indagação do entrevistador, e ao contrário do que à primeira vista se poderia supor, quero dizer, que tipo de contextualizações ou associações poderiam ser feitas à referida palavra, o entrevistado surpreende (ou não) ao dizer que “é importante que as crianças e os jovens tenham muitas oportunidades de trabalhar com o que, no currículo inglês, é conhecido como “materiais resistentes”, ou seja, madeira, metal, pedra, argila, entre outros”. Pois, como a seguir o fundamenta, “ao trabalhar com estes materiais, ao jovem é-lhe permitido perceber que nem todas as ideias que tem sobre o que gostaria de fazer são, realmente, possíveis.” Sem descurar outras áreas de conhecimento, deixa claro que o artesanato e as artes são importantes campos de prática, a partir da qual as crianças e os jovens se confrontam com os limites do seu pensamento e acção, ao mesmo tempo que despertam para a necessidade de dialogar com o mundo real, estimulando a convivência democrática. Gert Biesta não fará mais do que relembrar o que vem sendo defendido desde tempos imemoriais, mais concretamente, que as manualidades representam um meio privilegiado para explorar um conjunto de conceitos edificadores do carácter do indivíduo.
Por outro lado, Biesta lembra a imperativa necessidade de os pais tomarem consciência de que devem conter os impulsos mais primários ou inconscientes dos seus filhos, de que tudo podem ter. Evocando de novo o termo “resistência”, o autor sublinha que “há a necessidade de os pais oferecerem resistência aos desejos dos seus filhos, porque se dissermos sim a tudo o que eles pedem e desejam iremos transformá-los em crianças mimadas, em vez de os ajudarmos a perceber que nem tudo o que é desejado é realmente desejável.” Em contraponto, defende que os educadores deverão dar particular atenção à aprendizagem do que significa e implica a liberdade. Uma liberdade associada à autonomia, desde que esta se desenvolva em comunhão com os outros, e não apenas uma forma de viver “em roda livre”. Uma liberdade, como sublinha Biesta, que passe por uma partilha do mesmo espaço, onde se respeitem os outros, o que exige sempre compromissos e limitações. Embora reconhecendo representar um grande desafio, defende que a ambição da Educação deverá passar por encorajar as crianças e os jovens a tornarem-se indivíduos democráticos. Entretanto, e para conseguir esse desiderato, advoga que muito terá de mudar na forma como a escola está organizada e como desenvolve o seu ensino.
Por oposição a uma educação mensurável, previsível e padronizável, em que critica a pressão feita sobre as escolas, para garantir que os alunos tenham avaliações “altas” em competências e conhecimentos mensuráveis (intensificada pelo PISA, que considera um sistema de avaliação ridículo), Biesta contrapõe com a autonomia, resistência e empatia. Atente-se que, actualmente é uma autêntica insanidade a burocracia instalada nas escolas, que embriaga tudo e todos. Um sem número de documentos e procedimentos, quantos deles absurdos, acriticamente aceites e utilizados no processo educativo, que mais não fazem do que elevar os níveis de stresse dos professores, retirando-lhes tempo para prepararem convenientemente as aulas. Mais do que os fins, Biesta releva os meios para dotar as crianças e os jovens das ferramentas de que necessitarão para enfrentar os desafios que a vida lhes reserva.
Face aos problemas com que a humanidade se depara, como o caso da crise climática, importará, no plano educativo, sensibilizar as crianças e jovens para esta e outras questões que os convoca. Biesta chama a isto “Educação centrada no mundo”. Uma educação que lhes permita trilhar o seu caminho, conquistando a sua independência, assumindo responsabilidades. Como defende o autor, uma educação que aborde o “julgamento democrático”, concentrado no valor de viver a vida na pluralidade e na diferença, com uma orientação para a igualdade e para a paz.