terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

No país das percepções

Já antevejo que uma das fortes candidatas a palavra do ano 2025 venha a ser “percepção”. O termo tem sido utilizado ad nauseam por alguns políticos, entre eles, o primeiro-ministro. E com ganhos. Basta ver os mais recentes resultados das intenções de voto para o perceber, com o PSD a subir no gráfico. Sobre o ponto em análise, antecipo que a campanha para as autárquicas venha a ser pródiga, onde até não faltarão candidatos à esquerda a ensaiar a mesma táctica. Contudo, não é de todo correcto o significado que é atribuído à palavra. Quem se quiser dar ao trabalho de o compreender, que estude. Ao invés de elegerem outros conceitos, tais como, “impressão” ou “sensação”, optaram por um antónimo. Não surpreende. Na verdade, quantos estarão interessados em ler, estudar, instruir-se?
Vem o tema a propósito da tão badalada questão da insegurança, num dos países comprovadamente mais seguros do mundo, que a extrema-direita e a direita serôdia têm cavalgado, e que não têm tido pejo em associá-la injustamente à imigração, fazendo desta um bode expiatório. Para azar dos promotores deste discurso insidioso, as autoridades policiais vieram a público esvaziar este balão de ar fétido, recorrendo à evidência empírica.
Falando em Lisboa na conferência sobre os 160 anos do Diário de Notícias, no dia 17 de Janeiro, o director nacional da Polícia Judiciária, Luís Neves, afirmou, com propriedade, que o sentimento de insegurança tem origem no aumento da desinformação e ameaças híbridas, salientando que os números da criminalidade violenta desmentem essa ideia. Pouco tempo depois era a vez da Direcção Nacional da PSP revelar uma descida considerável, em 2024, quer da criminalidade geral, quer da criminalidade violenta, destacando a área metropolitana de Lisboa. Juntemos ainda a informação precisa apresentada pelo director científico do Observatório das Migrações, Pedro Góis, que não hesita em culpabilizar a cobertura jornalística e o espectáculo mediático que é dado, repetidamente, a alguns discursos políticos enviesados e virulentos de extrema-direita, que levam a uma errada e perigosa falsificação da percepção social (Visão, nº1663, 2025). Mas voltando às autoridades policiais, ambas estatísticas, que não foram urdidas nas redes sociais, irritaram bastante André Ventura e Carlos Moedas. Ao invés de se regozijarem com os números, preferiram mostrar o seu profundo desagrado por estes contrariarem os seus discursos populistas, securitários e demagógicos. De repente o mar ficou sem as ondas sobre as quais prazerosamente vinham surfando. Nada que os impedisse de se apressarem a contradizer os factos, recorrendo aos mais ridículos e cínicos argumentos.
O contributo dos imigrantes para a sustentabilidade da segurança social, que paga reformas e pensões (incluindo de beneficiários que os querem ver repatriados), para o aumento da natalidade, para o preenchimento de postos de trabalhos que muitos portugueses não querem ocupar (agricultura, construção civil, comércio, indústria, serviços domiciliários, etc.), e bem assim para o dinamismo da economia nacional, é eclipsado pelas “percepções” de tudo e mais alguma coisa. Quando esta abordagem é feita pela vox populi, não tem nada de surpreendente. Já quando é feita pela classe política, é, no mínimo, lamentável e perigosa. A propósito, a chamada casa da democracia tem sido palco desse festim. O parlamento transformou-se na Alegoria da Caverna, de que nos narrava Platão. Ainda que este se assemelhe cada vez mais a uma algaravia, muito por culpa de uma deprimente falange de 50, perdão, 49 deputados obsequiosos, formatados por El Generalísimo, será sempre preferível à ilusão de sombras projectadas numa qualquer parede. Não se trata de uma impressão minha. É mesmo uma percepção.