terça-feira, 18 de março de 2025

Sobre respeito e decência

O mundo está perigoso. Não só devido às guerras militares e económicas em curso, mas particularmente às disfunções da mente humana. A agressividade está instalada. Tornou-se rotina. As redes sociais são aquilo que se sabe: um antro de ignorância, ofensas e promiscuidade. Toda a gente opina sobre tudo e sobre todos. Grassam os especialistas de coisa nenhuma. As consequências sociais e políticas estão aí para quem as quiser ver. Miguel Sousa Tavares resume-o de uma forma certeira: “Uma das mais trágicas consequências desta cultura das redes sociais é a transformação de cada um dos seus viciados num herói aos seus próprios olhos, um sábio e um justiceiro, alguém que não precisa de aprender, nem de ver, nem de ouvir, nem de ser confrontado com outras verdades. Alguém que julga saber tudo e, tudo sabendo, nem sequer precisa de sonhar.” (Expresso, 3/01/2025)
Quem prestar atenção ao que se passa no espaço público dará conta da agressividade que nele abunda. Seja no trânsito, em repartições públicas, nos comércios ou no trabalho. O respeito, a decência ou a autoridade (diferente de autoritarismo) tornaram-se um mero apêndice.
No meu espaço de trabalho, a escola, ao longo de mais de três décadas de ensino, que já somo, tenho assistido, tal como os meus colegas, a uma deterioração do ambiente escolar, em parte fruto da indisciplina que vai proliferando. São inúmeros os estudos que vão saindo a público, dando conta desta dura realidade. Um dos mais recentes foi o da Missão Escola Pública (MEP), uma associação de professores que se tem dedicado à análise dos problemas que afectam a comunidade escolar. Tratou-se de um inquérito sobre o bullying sobre docentes, que revelou uma percentagem elevada de agressões físicas e verbais a estes profissionais. Ana Pescada, membro da MEP, num artigo do Público (8/2/2025), alerta para o agudizar deste problema, responsabilizando os encarregados de educação, alguns dos quais não hesitam em recorrer a todo o tipo de acções, por vezes com descarada vileza, para pôr em causa a honra e a dignidade dos professores, tomando-os como um grupo de malfeitores, de gente desonesta. Dá como exemplo o questionamento das avaliações e das práticas pedagógicas e da pressão para a alteração de notas dos seus educandos, quando estas não correspondem às expectativas, e que, como é óbvio, resultam da falta de empenho destes. Acresce esta situação burlesca: perante o insucesso do aluno, precipitam-se as suspeitas sobre o professor. Cabe-lhe o ónus da prova. É chamado a prestar contas, a justificar os níveis negativos atribuídos, cabendo-lhe a responsabilidade de tomar medidas (!) para inverter a situação. Sobre a (falta de) responsabilidade do aluno ou dos pais, estamos conversados!
Também a porta-voz da MEP, Cristina Mota, em declarações ao DN (19/2/2025), revela a sua preocupação face a este clima vivido em muitas escolas, lembrando o óbvio: “As famílias têm um papel crucial na formação dos valores e na disciplina dos seus filhos e, por isso, devem ser responsabilizadas quando não assumem essa responsabilidade.” No referido inquérito, a própria faz saber que, em várias situações, “são os próprios pais e encarregados de educação que, através de ameaças e comportamentos agressivos – tanto físicos, como psicológicos –, contribuem para a violência nas escolas, além de não responsabilizarem os filhos.” Gente íntegra e exemplar!
A relação de confiança entre escola e família tem vindo a ser beliscada de forma preocupante, com pais a contestarem, por vezes de forma despudorada, questões pedagógicas, metodologias, avaliações, já para não falar na forma devota com que acreditam nas narrativas dos seus filhos, sem procurarem apurar a verdade dos factos. Farei justiça ao dizer que os pais não são todos iguais. Obviamente que os há bem formados, conscienciosos, que sabem respeitar o “território” do professor, que reconhecem o seu magistério, a sua soberania.
Nunca é demais lembrar que um professor é uma autoridade, como o é um polícia, um juiz ou um médico, só para dar alguns exemplos. Não só pelo papel que tem na sociedade, nas suas transformações, o professor é alguém que, a par daqueles pais que assumem de forma responsável a educação dos seus filhos, tem indiscutivelmente um papel determinante na formação do aluno e no seu futuro. Como tal, tem uma ascendência que deve ser estimada.
Fica o elogio àquela linhagem de professores, da qual faço parte, que não abdicam dos seus legítimos princípios, valores e autoridade, focados na nobre missão de ensinar, e que não se deixam condicionar ou intimidar por quem quer que seja.

quarta-feira, 5 de março de 2025

Ascensão do Pico Fariñento pelo Canal do Inferno

Foi no passado dia 1 de Março escalei, juntamente com os meus companheiros de cordada, José Chaves e Aníbal Morais, o Pico Fariñento, no Maciço das Ubiñas, situado na Cordilheira Cantábrica. O cume, com 2174 metros de altitude, foi alcançado depois de superada uma das vias mais difíceis que a ele conduz. Tratou-se do Canalón del Infierno, um corredor com 300m e uma inclinação que varia entre os 45º e os 55º, sendo um percurso de escalada mista (rocha, neve e gelo). Antes da escalada propriamente dita, e até chegar ao início do referido canal, tivemos de fazer uma travessia de cerca de 3 horas, por terreno nevado, com um desnível positivo acumulado a rondar os 1000 metros.
Voltando à via, o nome que lhe foi dado, Canalón del Infierno, não terá sido por acaso. Efectivamente, o grau de dificuldade que lhe foi atribuído, dentro da tabela universal de classificação de alpinismo, foi o de “difícil”. Na verdade, trata-se de uma via comprometida, que exige não apenas uma boa condição física, mas também técnica, dados os riscos consideráveis que esta escalada invernal comporta. No final, restou-nos festejar a conquista.