domingo, 2 de março de 2008

Pais responsáveis procuram-se


A opinião pública em geral, em particular aquele público que acompanha os nossos órgãos de (des)informação, desconhece o esforço que os professores têm empreendido para garantir a formação, a educação e o sucesso dos seus alunos. Poderia aqui relatar um número indeterminado de acções que estes profissionais, e em particular aqueles que são directores de turma, têm encetado, desde sempre, para combater o abandono escolar, bem como a luta empreendida em prol da melhoria das aprendizagens dos seus alunos. Pouparei o leitor a essa maçada.
Sem olharem às horas de trabalho extraordinárias, não remuneradas (pois os professores não são mercenários, como alguns opinion makers e algumas figuras da praça pública têm tentado fazer passar através dos media), e por vezes em prejuízo da educação dos seus próprios filhos, os professores têm recorrido ao seu profissionalismo, ao seu altruísmo, enfim, a todas as estratégias e instrumentos de trabalho de que dispõem ou que laboriosamente vão construindo, para garantirem as melhores condições de aprendizagem e de bem-estar dos seus alunos. É por demais evidente que este empreendimento tem crescido na mesma medida em que prospera a desresponsabilização educativa por parte de pais e encarregados de educação. Estes (supostos) agentes educativos não apenas se vêm demitindo progressivamente das suas funções educativas, como ainda por cima têm o arrojo de acusarem os professores pelos males que grassam no nosso sistema educativo. Algumas das políticas ou reformas educativas avulsas, desconexas ou despropositadas, empreendidas pelos sucessivos governos da república, parecem merecer uma atenção residual por parte de alguns pais, quando comparadas com as críticas arbitrárias e generalizadas que têm dirigido ao trabalho docente.
A clarividência parece estar arredada do discurso e das práticas dos primeiros responsáveis pela educação das crianças e jovens. É só ver o que tem sido, por exemplo, o trabalho laborioso do seu mais alto representante, o presidente da Confap[1], o Sr. Albino Almeida, na sua cruzada contra os docentes, de braço dado com a actual responsável pela pasta da educação, a Dra. Mª de Lurdes Rodrigues. Uma aliança que oportunistamente se desfaz, quando se encontra junto dos professores ou dirigentes sindicais, como assistimos no programa da RTP1, “Prós e Contras”, no passado dia 25 de Fevereiro, subordinado aos actuais temas candentes da educação.
Tomemos como exemplo a chamada Escola a Tempo Inteiro[2], uma conquista reivindicada pela Confap, organização que ignora as consequências perniciosas que decorrem do consequente alargamento do ensino formal no 1º ciclo do Ensino Básico. Tivesse o Sr. Albino Almeida, os seus partidários, bem como determinados pais e encarregados de educação, que arcarem, por exemplo, com uma turma de alunos dos 6 ou 7 anos a bocejar e a deitar a cabeça na mesa para um momento (merecido) de descanso, talvez aí reflectissem sobre a hiper-escolarização a que estas crianças têm sido sujeitas. Um pai ou um encarregado de educação que realmente deseja o melhor para o seu educando, pensaria duas vezes antes de apoiar ou fazer propostas avulsas e anti-pedagógicas, e se conhecesse, portanto, o real nível de capacidade de concentração, logo, a disponibilidade para a aprendizagem formal que estas crianças manifestam na parte final da tarde. As actividades de enriquecimento curricular, ou como preferem outros, de prolongamento escolar, têm evidenciado a sobrecarga lectiva e de trabalho a que as nossas crianças têm sido sujeitas.
Talvez um modelo como o proposto por Ariana Cosme e Rui Trindade (2007)[3], os Centros Locais de Educação Básica, seria uma alternativa (entre outras possíveis) ao da Escola a Tempo Inteiro, e daria condições para que se criasse verdadeiramente um espaço cultural, um espaço de animação de tempos livres, um tempo educativo ao invés de um tempo escolar, cumprindo assim uma função sócio-educativa, ao invés do alargamento do espaço de educação formal, como de facto se verifica[4]. Qual a opinião da Confap e do seu presidente a este respeito? É esta a Escola a Tempo Inteiro que os pais e encarregados de educação desejam efectivamente para os seus educandos? Pelo bem das nossas crianças, nós por cá dizemos: não, obrigado.
Então com a notória e inegável demissão das responsabilidades educativas pela generalidade de pais e encarregados de educação, do défice de participação das famílias[5] na vida escolar, ao qual acrescentamos a disposição desregrada do presidente da Confap para acossar os professores, poderemos confiar numa maior intervenção dos primeiros nos destinos da administração e gestão das escolas, tal como alguns pais o desejam? Livra!
A Confap, pela voz do seu presidente, mais não tem feito senão contribuir para criar um clima de desconfiança e um distanciamento entre pais e professores, que em nada abona a favor de uma parceria sustentada na co-responsabilização. O trabalho cooperativo entre estes dois grupos de agentes educativos (diga-se, em abono da verdade, reivindicado pelos professores) que se vinha reforçando, vê-se, actualmente, debilitado com os ataques sucessivos e infundados levados a cabo pelo presidente da Confap e pelos seus fiéis seguidores aos docentes.
Alguém duvida de que os professores trabalham no sentido de garantir o melhor para os seus alunos? Alguém duvida de que estes profissionais mais não querem senão que as crianças e jovens se tornem cidadãos críticos, activos e criativos; que labutam no sentido de formar agentes de mudança, capazes de dar um contributo decisivo na busca de uma sociedade mais justa? Pelos vistos o Sr. Albino Almeida não parece acreditar nestas desígnios! Prefere enclausurar-se nos seus sofismas, contribuir para denegrir a imagem dos professores e para o estabelecimento de um clima de suspeição entre estes e os pais e a sociedade em geral, um comportamento que, no fim, em nada abona a favor do bem dos alunos, como aliás tem hábito de apregoar com a sua habitual petulância.

[1] Confederação Nacional das Associações de Pais. Diga-se, uma organização existente graças ao alto patrocínio do Ministério da Educação, não surpreendendo, por isso, as habituais colagens aos governos, e bem assim, à subscrição da generalidade das suas propostas e medidas.
[2] Criada através do Despacho nº 12591/2006, de 16 de Junho.
[3] Cf. COSME, Ariana & TRINDADE, Rui (2007). Escola a tempo inteiro. Escola para que te quero? Porto: Profedições.
[4] Os Centros Locais de Educação Básica representam, para Cosme e Trindade, um modelo em que as intenções educativas dependem, sobretudo, dos actores (professores, educadores ou animadores) directamente implicados nas acções e projectos educativos, o que não acontece com o projecto da Escola a Tempo Inteiro, que “depende de programas de estudo ou a uma organização e gestão escolar e dos dispositivos de avaliação que se perfilham”. Cf. op. cit., p. 25. Os autores defendem que as actividades de natureza extra-escolar deveriam funcionar em torno de duas áreas maiores: a área de Educação Física e a área de Animação Sócio-Cultural. A segunda englobaria domínios variados, como por exemplo: as expressões artísticas, a educação ambiental, a educação científica, a educação patrimonial, entre outras. Cf. op. cit., p. 44.
[5] Esta é, aliás, uma questão levantada por João Barroso (2008) no seu Parecer ao Projecto de Decreto-Lei 771/2007-ME - «Regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário». Este investigador manifesta algumas reservas quanto à possibilidade de um simples alteração legislativa vir a inverter esta realidade, ou seja, o défice de intervenção das famílias nas dinâmicas escolares.

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