quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Propaganda e opinião pública


Tomei emprestado este título de uma obra de um dos maiores pensadores contemporâneos, o norte-americano Noam Chomsky. Trata-se de um livro que reúne um conjunto de entrevistas feitas pelo jornalista e escritor David Barsamian ao prestigiado linguista, filósofo e analista/activista político, ocorridas entre os anos de 1998 e 2000. Embora a primeira publicação tenha surgido em 2001, nos EUA, o seu conteúdo não deixa de ser actualíssimo, na medida em que muitos dos cenários políticos e sociais que Chomsky augurava para o mundo, já nessa altura, têm vindo a acontecer um pouco por todo o lado.
De entre os vários assuntos de eleição do autor, destacam-se os meios de comunicação, os direitos humanos e as relações internacionais. Chomsky é ainda um acérrimo defensor de uma cidadania democrática participativa e da valorização do capital humano. Como tal, sustenta que um cidadão não deve ser um mero espectador dos fenómenos sociais e dos acontecimentos políticos, mas sim manter um pensamento crítico e uma prática vigilante, sobretudo sobre as acções dos seus governantes. De uma maneira muito clara, objectiva e sustentada, Chomsky descreve os caminhos urdidos pelos políticos para chegarem ao poder e nele se perpetuarem. Fala-nos dos conluios com o poder económico, financeiro e com os meios de comunicação social, assim como com o FMI, a OMC, a OCDE, entre outros. Denuncia os abusos de poder e a forma como os governantes, juntamente com outros parceiros estratégicos, tudo fazem, incluindo por via legal, para manter os cidadãos na ignorância e afastados de decisões políticas, que poderão determinar um melhor ou um pior futuro das populações. Como faz saber Chomsky, o poder “entende a profunda importância de manter o público na ignorância, certificar-se de que não interfere, que determinada política será concebida e posta em prática pelos centros de poder autênticos sem controlo”[1]. Uma boa forma de o fazer é através da propaganda e da manipulação da opinião pública. Ora esta realidade logo me trouxe um exemplo à memória. Talvez pela sua proximidade, lembrei-me daquilo que vem acontecendo no nosso concelho há uns bons anos, ainda que na devida proporção e contexto social.
Ao longo dos 12 anos de governação autárquica laranja, agora a findar, os aguiarenses mais atentos, ou menos distraídos (depende da perspectiva), foram percebendo a forma como Dr. Domingos Dias foi capaz de construir e manter o seu feudo. A receita é simples, mas só está ao alcance dos mais engenhosos. Honra seja feita ao nosso presidente, que não só conseguiu colocar rédea curta à oposição interna, como foi capaz de aliciar alguns elementos da oposição externa, e ainda outros que teimam em fazer-se passar por offsiders. Uns favores aqui, umas mesadas ali, uns postos acolá, umas promessas além, enfim, tudo serviu para que alguns vendessem a alma ao diabo, mudassem de bandeira ou causa, e se alistassem na guarda pretoriana, que tão servilmente seguiu (e ainda segue) o nosso “imperador”. Simultaneamente, um programa de entretenimento foi animando a plebe, à boa maneira romana. A receita, portanto, deu os seus frutos. Logo, não vejo por que razão é que o seu discípulo e agora candidato à Câmara Municipal pelo PSD não seguiria a mesma receita, caso viesse a liderar os destinos do nosso concelho nos próximos anos! Aliás, nem é preciso evocar tal cenário. Na verdade, a cartilha do nosso presidente já há algum tempo começou a ser seguida. Só para dar um exemplo, veja-se o que se passou com a escolha de alguns dos elementos para formação da lista de candidatos à junta de freguesia de Bornes de Aguiar por este partido! Não sei se o facto do logótipo do PSD estar estampado nos panfletos e cartazes de propaganda para esta junta será suficiente para evitar que alguns eleitores, menos prudentes, sejam levados a pensar que se trata de uma segunda lista (ou uma lista de segunda linha) de socialistas!
Não se pode negar que o nosso presidente é um homem inteligente. Pena é que ao longo destes 12 anos de governação não tenha canalizado parte dessa inteligência para investir noutras áreas que, no meu entender, considero prioritárias para o nosso concelho e para os aguiarenses. Quando quer, também é um homem honesto. Recentemente, num artigo publicado no jornal A Voz de Trás-os-Montes, no dia 29 de Agosto, que se debruçava sobre os efeitos negativos do centralismo junto dos municípios da nossa região, o nosso presidente de câmara, embora reconhecendo, e muito bem, as perdas que essa política tem acarretado, desde há muito, para os municípios do interior, acabou, por outro lado, por admitir, e cito-o, que “O dinheiro tem sido mal gasto e os investimentos de milhões de euros no interior têm sido mal direccionados”. Ora bem, se não fosse a propaganda fervorosa do PSD que vem acontecendo nos últimos tempos, em especial as promessas feitas em público e as que vêm em desdobráveis e na imprensa dependente, que anunciam investimentos de milhões de euros em mais projectos megalómanos, demagógicos ou completamente desenquadrados do nosso contexto social, económico ou cultural, eu diria que o nosso presidente, com esse desabafo, acabou por fazer mea culpa do despesismo ocorrido ao longo das suas três legislaturas!
Para terminar, o ainda nosso presidente é um homem precavido. Decidiu não abandonar o trono, sem antes impor a inclusão de uma descendente na lista do PSD à câmara municipal. E logo para número dois! Embora não conheça pessoalmente a pessoa em causa, não deixa naturalmente de merecer todo o meu respeito, tal como qualquer outro candidato, seja de que partido for. Mas este facto tem tanto de caricato, como de suspeito. Diria mesmo que “leva água no bico”! Senão vejamos: depois do vice-presidente, agora candidato à câmara municipal pelo PSD, ter vivido, ao longo destes 12 anos, na sombra do seu superior (não sei se por descuido ou se por estratégia deste!), eis que agora o nosso presidente, através da sua filha, parece aspirar a conservar um pé dentro da autarquia, entenda-se, a manter algum poder ou influência nas políticas do município! Não imagino que isso fosse possível com outras figuras destacadas do partido, que há uns meses atrás foram apontadas como possíveis candidatos, ou candidatos a candidatos! Julgo mesmo que precisamente pelo facto do Dr. Domingos Dias ter tido consciência deste risco, é que os mesmos foram “apartados”!

[1] CHOMSKY, Noam (2002). Propaganda e Opinião Pública. Lisboa: Campo da Comunicação, p. 21.

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