sexta-feira, 13 de maio de 2016

Peregrinação a S. Bento

Está ao rubro a discussão em torno do financiamento das escolas do ensino privado com contrato de associação.
Nos últimos dias fiquei atónito com uma série de discursos, conceitos e expressões apregoados, que inclusive viraram slogans em cartazes e T-shirts (provavelmente pagos pelo erário público!), a respeito desta polémica ateada pelo ensino privado e cooperativo, prontamente cavalgada e inflamada por ilustres demagogos da direita (reclusa), apoiada por seus serviçais, que pululam na imprensa tablóide, todos eles prosélitos do mesmo regimento.
A areia atirada aos olhos dos que legitimamente pretenderão ver-se esclarecidos, mais se tem assemelhado às tempestades de tais partículas, que por vezes varrem o deserto do Saara, ou mesmo as dunas de S. Jacinto! Muita munição de salva tem sido disparada durante a procissão composta pela dita direita, pelo lóbi do ensino particular e cooperativo (com as coordenadas emprestadas pelo grupo de ensino GPS[1]), e por jornalistas e comentadores do tipo fast-food, encabeçada pela Conferência Episcopal, garantindo assim a bênção dos peregrinos. O destino, esse não é Fátima, e muito menos Meca. É sim, S. Bento!
Na verdade, e para deleite meu, tem sido hilariante e deleitoso ler e ouvir os argumentos dalguns destes cruzados da contemporaneidade, que percorrem um caminho em busca não da redenção espiritual, mas sim, do conforto material. Tenho lido e ouvido coisas singulares, do género: “liberdade de escolha”, “direito a escolher a escola que eu quiser”, “direito a escolher o tipo de educação para o meu filho”, “direito a poder usufruir de uma escola com piscina coberta, corte de ténis, campo de futebol com piso sintético, pista de atletismo de tartan…”!!! Ops! Embora sendo verdade, esta última não tem figurado nos discurso dos peregrinos, tampouco nos cartazes de protesto! Portanto, trata-se de pegar no menu, escolher o prato desejado e pedir ao garçon que nos sirva. No final, a factura é pedida em nome do Estado, ou seja, dos contribuintes. Isto sim, é “liberdade de escolha”! Bem, se há coisa de que não se pode acusar quem pense assim, é de que sejam pategos! Pategos são aqueles que aceitam pagar impostos para este tipo de serviço a la carte!
Alguns dos peregrinos alegam que a reavaliação em curso dos contractos de associação do Estado com os colégios privados não passa de uma questão ideológica. O próprio líder do PSD, pasme-se, considerou a proposta do ministro da Educação de reduzir, no próximo ano lectivo, o número de turmas contratadas com as escolas privadas, nos concelhos em que as escolas públicas tenham capacidade para receber os alunos em início de ciclo, como "anacrónica", "retrógrada" e de "cegueira ideológica".
Na opinião de Passos Coelho, dar prioridade aos recursos disponíveis na escola pública, poupando assim ao Estado/contribuintes dezenas de milhões de euros, respeitando a Constituição (artigo 75.º), a Lei de Bases do Sistema Educativo e, vejam lá, a própria Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo, ou seja, com base legal, é "cegueira ideológica"! Já agora, e a respeito de leis, quem não se lembra da harmoniosa e profícua relação do governo de Passos Coelho e Paulo Portas com a Constituição?!
Já cortar, em três anos, 1300 milhões de euros na Educação (mais do dobro do que era exigido pela tróica); encerrar mais de 2500 estabelecimentos de ensino; reduzir nas escolas, em quatro anos, cerca de 30.000 professores, e fazer contractos de associação com escolas privadas, pagando-lhes 80.500€ por turma (quando pode pagar 54.000€, ou menos, às da rede pública), com escolas do Estado, ali ao lado, de salas vazias, não é anacrónico, nem retrógrado e muito menos ideológico!
Ignorar as recomendações da tróica, que denunciava a irracionalidade de pagar turmas em colégios (favorecendo negócios privados!), quando a poucos metros existem escolas públicas com disponibilidade para recebê-las, deixando assim de poupar 109 milhões de euros, só entre 2011 e 2013, dinheiro que teria evitado o corte na acção social, no ensino especial, na educação de adultos, no enriquecimento curricular, etc., não é, de modo algum, “cegueira ideológica”! Longe disso!
Quanto à liberdade de escolha entre ensino público e ensino privado, esta não está, como nunca esteve em causa. Agora, quem prefere ter os seus filhos em colégios privados, PAGA! Simples.



[1] Para quem não se lembrará, o grupo de ensino privado GPS (Gestão e Participações Sociais), detentor de 26 colégios, dos quais 14 recebem apoio do Ministério da Educação, está sob investigação da Polícia Judiciária, acusado de crimes de corrupção e branqueamento de capitais. Tudo gente do melhor!

1 comentário:

Alexandre Fraguito disse...

Olá Rui. Parabéns pelo texto. Abraço