sábado, 22 de outubro de 2016

Uma questão de arrojo

No espaço de pouco mais de mês e meio vieram a terreiro alguns estudos sobre o estado da educação e do ensino no nosso país. Refiro-me ao “Projecto aQeduto”, ao “Programa Aves – Avaliação Externa de Escolas”, da Fundação Manuel Leão, e ao mais recente relatório do Conselho Nacional da Educação, intitulado, “Estado da Educação 2015”.
No seu conjunto, estes diferentes estudos acabam por se complementar na informação prestada. De forma resumida, debruçar-me-ei apenas sobre dois dos vários problemas enunciados, por merecerem especial atenção. Falo da elevada taxa de retenção, uma das maiores da Europa, e do aumento da percentagem de alunos desencantados com a escola. O Projecto aQueduto dá conta, inclusive, que regista-se uma maior percentagem de alunos infelizes em escolas inseridas em contextos socioeconómicos desfavorecidos e com priores resultados.
Na denúncia de estes e outros problemas vividos em contexto escolar, directores e associações de professores juntam as vozes para apontar como causas a extensão dos currículos, a desadequação de programas às idades e interesses dos alunos, turmas grandes e horários dos mais pesados da Europa. Sobre esta última questão, a dos horários, não posso deixar de ressaltar aquilo que vem sendo, há longos anos, uma prática de várias escolas. Refiro-me à concentração maioritária, no período lectivo da manhã, das disciplinas que algumas personagens designam de “estudo”! Curioso! Isto fará supor que existem disciplinas que não são de “estudo”! Que serão eventualmente de simples entretenimento! Que estão ali apenas para preencher currículo. Presumo que se estarão a referir às disciplinas de expressão, como a Educação Visual, a Educação Musical, a Educação Física, a Educação Tecnológica, etc. Na realidade, não poucas vezes estas acabam por ter o seu espaço reservado para o final da manhã e/ou para a tarde.
Dizem as ditas e doutas personagens que logo pela manhã os alunos estão mais “frescos”, e por isso, com maior aptidão e receptividade para “enfardar” com as tais disciplinas de “estudo”. Ora bem, não vou dizer que passo a pente fino toda a produção científica (nacional ou internacional) que se tem feito no âmbito das Ciências da Educação, mas também não posso deixar de confessar que sou um rapaz que até tem a preocupação e o cuidado de se manter minimamente informado nesse campo. Isto para dizer que não conheço qualquer estudo que recomende que a Matemática, a Fisico-Química, o Português ou as Ciências Naturais, só para dar alguns exemplos, deverão preencher, prioritariamente, a parte da manhã dos horários dos alunos! Se alguém tiver conhecimento de tal, ficaria muito grato se me enviassem a respectiva referência.
Inúmeras empresas de ponta, ou como dizem, empreendedoras, espalhadas pelos quatro cantos do mundo, têm conseguido melhores resultados de produção graças à visão dos seus administradores. E de que forma? Brindando os seus funcionários com actividades físicas, de meditação ou com música antes do início do dia de trabalho. Deste modo, acabam por proporcionar um ambiente de bem-estar e satisfação para que os funcionários tenham um pouco mais de conforto e trabalhem melhor. O Yoga no trabalho tem proliferado no mundo empresarial, devido ao seu comprovado contributo para a redução do stresse e consequentemente para o aumento da produtividade.
E eis que chego onde queria chegar, passo a redundância. Se queremos combater o crescente desinteresse dos jovens pela escola, e contribuir para uma redução significativa da retenção, penso que a reorganização dos horários mereceria, nalgumas escolas, outra atenção. Arrojo, diria! Voltando atrás, não é de todo garantido que os alunos estejam mais frescos logo pela manhã. Qual o docente que nunca deu de caras com alunos sonolentos e a bocejar no primeiro tempo lectivo? É sabido que muitos deles, para estarem a horas na escola, levantam-se cedo e até de madrugada, sujeitando-se depois a muitos quilómetros de estrada. E que dizer daqueles que vêm de estômago vazio, à espera da primeira refeição fornecida pela escola!?
Para combater o desinteresse pela escola e o absentismo, a Escola Básica Francisco Sanches, em Braga, decidiu, entre outras medidas, apostar em actividades mais lúdicas e nas disciplinas de expressão para o início da manhã; na opção por salas bem equipadas com tecnologias, e na criação de um Conselho Consultivo de alunos, um espaço onde pudessem colocar e discutir problemas da escola, mobilizando-os para a procura de soluções. Neste último caso, um bom exemplo de educação para a cidadania. Os resultados não se fizeram esperar: os índices de motivação aumentaram, o absentismo diminuiu consideravelmente e o aproveitamento global melhorou. No seu conjunto, estas iniciativas contribuíram para o mais importante: o combate à exclusão social.
Compreendo, embora discorde, que a concentração das disciplinas ditas de “estudo”(!) na parte da manhã seja conveniente para A ou B, mas sempre ouvi dizer que a prioridade deverão ser os alunos.

Já agora, e para encerrar, recomendo a pesquisa do significado da palavra “estudo”.

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