quinta-feira, 21 de junho de 2018

Da mentira de uns à falta de palavra e de pudor de outros

Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler, terá dito que “de tanto se repetir uma mentira, ela acaba por se transformar numa verdade”. Pois parece exactamente este, o desígnio de uma plêiada de comentadores, incluindo políticos e governantes, que têm preenchido o espaço televisivo, radiofónico e da imprensa escrita, a propósito dos professores. Das várias mentiras disseminadas, a mais frequente é a de que estes profissionais têm uma progressão automática. Tal precipita a crença, na cabeça dos menos aos mais informados e dos menos aos mais mal-intencionados, de que um professor chega ao topo da carreira num piscar de olhos. Não, não é verdade! 
A carreira docente, sem perdas de tempo de serviço, sublinho, tem uma duração de 34 anos, ou seja, este é o tempo necessário para um professor atingir o topo. Com as perdas, a duração da carreira passa muito para além dos 40 anos de serviço, o que significa que muitos milhares de professores jamais atingirão o topo da carreira, por muito bons profissionais que sejam. Mas atenção: a progressão só poderá acontecer para os professores que entram nos quadros, porque os que são contratados (muitos deles já com 10, 20 e mais anos de serviço) ficam a marcar passo. Portanto, e para quem está realmente interessado em saber, a progressão na carreira não é automática, pois ela exige 3 requisitos gerais: tempo de serviço, avaliação do desempenho (com mínimo de Bom) e formação contínua (50 horas por escalão, com excepção do 5.º, que são 25 horas). Só a verificação simultânea destes requisitos permite a progressão. Juntam-se ainda requisitos específicos, a saber: observação de aulas para progredir aos 3.º e 5.º escalões, e existência de vaga para progredir aos 5.º e 7.º. 
Curioso saber que nos países da OCDE as carreiras dos professores têm, em média, uma duração (tempo para chegar ao topo) de 24 anos, contra os 34 em Portugal! Pois é, foi precisamente isto o que lembrou o seu director, Andreas Schleicher, na Cimeira Internacional sobre a profissão docente, que se realizou em Lisboa, nos dias 22 e 23 do passado mês de Março. Mais, e para aqueles que acham que os professores são bem remunerados e cheios de privilégios, Schleicher lembrou igualmente que o nível salarial dos professores portugueses é inferior à média dos países da OCDE. 
Como se não bastasse temos, quer no actual governo, quer nos partidos de Direita, quem venha agora falar em restruturação da carreira docente. Na prática, trata-se, liminarmente, de atrasar ainda mais a progressão legítima e justa de professores e educadores. 
Os que agora se insurgem contra a greve dos professores às avaliações, ou seja, sobre o momento escolhido, como é o caso da Confederação Nacional das Associações de Pais, esquecem-se que foi o governo que assim o quis, ao deixar arrastar no tempo este problema, pois já há vários meses que os sindicados de professores tentam negociar com o mesmo. Aliás, estes até já admitem ir mais além no prazo para a contagem integral do tempo de serviço congelado, que numa primeira proposta era até 2023. Afinal, quem são os intransigentes? 
Lembro que o governo assinou, juntamente com as organizações sindicais, uma Declaração de Compromisso em 18 de Novembro de 2017, tendo ficado inscrito na Lei do Orçamento de estado para 2018. Nela, podemos ler no número 5 o seguinte: alínea b) Negociar nos termos da alínea anterior o modelo concreto da recomposição da carreira que permita recuperar o tempo de serviço; alínea e) do modelo resultará a distribuição no tempo dos impactos orçamentais associados, num quadro de sustentabilidade e de compatibilização com os recursos disponíveis face à situação financeira do país, com início da produção de efeitos nesta legislatura e prevendo-se o seu final no termo da próxima. Junta-se-lhe a Recomendação ao governo que consta na Resolução n.º 1/2018, publicada em Diário da República em 2 de Janeiro e aprovada em sessão plenária, com os votos favoráveis de PS, BE, PCP e PEV, dando, dessa forma, resposta a uma das variáveis definidas na alínea a) do número 5 da Declaração de Compromisso: o tempo. E o que diz essa recomendação é claro: “A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que, em diálogo com os sindicatos, garanta que, nas carreiras cuja progressão depende também do tempo de serviço prestado, seja contado todo esse tempo, para efeitos de progressão na carreira e da correspondente valorização remuneratória”. Ora quem está a fugir à palavra dada? Quem é que não honra os seus compromissos? 
Entretanto, e para escusar-se a cumprir o acordado, o governo prefere apostar na contra-informação. Tenta virar os contribuintes contra os professores, como se estes também não o fossem. São-no e de que maneira! Para tal lançou para a praça pública um suposto encargo de 600 M€ por ano, que no entanto, e apesar das sucessivas interpelações de partidos da oposição, teima em não apresentar como chegou a esse valor. Por outro lado, tem-se servido de todo o tipo de expedientes, em clara violação da Lei, para tentar boicotar a greve dos professores, usando de uma vileza a todos os níveis condenável. 
Muito do que hoje nos poderemos orgulhar acerca das conquistas dos professores e educadores, a começar desde logo pela criação do Estatuto da Carreira Docente, em 1990, que veio colocar justiça ao equiparar a sua carreira à de outros licenciados na Administração Pública, devemo-lo graças à luta e obstinação de muitos professores. Ao longo de 4 décadas, no conjunto das reivindicações dos professores sempre esteve presente, grosso modo, a luta por melhores condições laborais, melhores condições de ensino-aprendizagem para crianças e jovens, enfim, uma melhor educação e para todos. 
Termino com uma saudação especial aos professores QUE LUTAM e que PENSAM NO COLECTIVO!

4 comentários:

Alexandre Fraguito disse...

Muito completo. Bem hajas pela tua perseverança e bons sentimentos. Abraço

Unknown disse...

Parabéns Rui, excelente artigo, muito bem redigido e fundamentado. Continuaremos a lutar contra todas estas injusticas.

Martita disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Martita disse...

Muito bom e esclarecedor este teu artigo Rui! Parabéns!
É um prazer estar ao teu lado nesta luta!