quarta-feira, 1 de maio de 2019

A hipocrisia e os seus representantes

Qualquer pessoa que tenha um mínimo de apreço por História, cultura ou património não terá ficado indiferente ao incêndio na catedral de Notre-Dame. Ficarão certamente registadas na memória de quem assistiu, in loco ou por televisão, às chamas que consumiram parte do monumento. Pese embora a calamidade e destruição consequentes, não podemos deixar de estabelecer um paralelo com outros acontecimentos bem mais dramáticos, alguns deles recentes e a necessitar de resposta imediata. 
Escrevia alguém, não me recordo quem, no JN que a mobilização e angariação de fundos para a reconstrução da referida catedral fez-se bem mais célere e com maior proveito do que aquela que se verificou para com as vítimas de Moçambique, resultantes da passagem do ciclone Idai. Como se não bastasse, chegou por estes dias o ciclone Kenneth para aumentar a catástrofe humanitária! Dizia então o autor do artigo que para “pedra” não faltaram centenas de milhões de euros em tão pouco tempo, enquanto para as vidas humanas daquele país do continente africano apenas foram pingando ajudas monetárias bem menos generosas e ainda muito aquém das suas reais necessidades. Para o primeiro caso bastaram os cheques de um punhado de empresas e de grandes fortunas francesas. Ainda que bem mais modesto, juntemos ainda o pedido feito pelo presidente do Parlamento Europeu aos eurodeputados, para que contribuíssem com a quantia equivalente a um dia de salário para ajudar na reconstrução da catedral. Não me consta que tenha ocorrido a mesma iniciativa para com Moçambique! 
No dia seguinte ao incêndio de Notre-Dame, na comissão parlamentar de ambiente, em Estrasburgo, a conhecida activista sueca Greta Thunberg fazia uma intervenção acerca de outro “incêndio”. A jovem, de 16 anos, alertou os líderes europeus para a urgência de salvar o planeta, desafiando-os a ter o mesmo interesse e empenho que revelaram para restaurar a catedral parisiense. Pelo menos algumas partes do seu discurso, em alguns momentos emocionado, merecem bem ser aqui lembradas: “Quero que vocês entrem em pânico. Quero que ajam como se esta casa estivesse em chamas. Se a vossa casa estivesse a pegar fogo (…) vocês não organizariam três encontros de emergência para falar sobre o ‘Brexit’ e nenhum para falar das alterações climáticas.” (...) Um grande número de políticos já me disse que o pânico nunca conduz a um bom resultado e eu concordo. Entrar em pânico, a não ser que seja necessário, é uma ideia terrível. Mas quando a tua casa está a arder e queres impedir a tua casa de arder completamente, isso requer algum nível de pânico. (…) Ontem [dia 15], o mundo inteiro assistiu com tristeza e desespero ao fogo que assolou a Notre-Dame, em Paris. Alguns edifícios são mais do que apenas edifícios. Mas a Notre-Dame vai ser reconstruída. Espero que as fundações sejam fortes, espero que as nossas fundações sejam ainda mais fortes. Mas temo que não sejam. A erosão da camada fértil do solo, a desflorestação das nossas grandes florestas, a poluição aérea tóxica, a perda de insectos e de vida selvagem, a acidificação dos oceanos, são todas tendências desastrosas que se têm acelerado devido ao estilo de vida que nós, na nossa parte do mundo financeiramente próspera, consideramos nosso dever continuá-las.” No final da sua intervenção, e a respeito das próximas eleições europeias, exortou as gerações mais velhas, para que representem os mais novos e escolham aqueles (futuros eurodeputados) que não tentam esconder os problemas provocados pelas alterações climáticas. Pediu aos eleitores que façam uma escolha acertada, em nome das gerações futuras: “Nestas eleições vão votar nas futuras condições de vida da humanidade. E embora as políticas necessárias não existem hoje, algumas alternativas são menos más do que outras. E eu li que alguns partidos nem sequer querem que eu esteja aqui hoje, porque não querem de maneira nenhuma falar nas alterações climáticas”. Sobre esta tentativa de boicote à presença da jovem no Parlamento Europeu só me ocorre uma palavra: “miseráveis”. 
Agora fixemo-nos no que tem sido por cá a (pré-) campanha eleitoral para as europeias, que será muito provavelmente similar ao que se passa em outros países da União Europeia (UE). O que se tem falado acerca do ambiente? Que ideias ou que políticas ambientais têm sido propostas para combater os problemas que afectam o nosso planeta? Para além dos arreigados ataques pessoais e do anseio de transformar estas eleições numa moção de censura ao governo, fica uma mão cheia de nada acerca de questões ambientais. Dito isto, convenhamos que não é fácil para os eleitores escolher os seus representantes para o Parlamento Europeu. Mais ainda quando são conhecidas, por exemplo, as respostas dadas por alguns dos eurodeputados às legítimas e realistas preocupações de Greta Thunberg, que são universais, nas quais se desculparam com a burocracia e as "dificuldades" de contornar decisões do Conselho Europeu, enfim, sobre a máquina pesada da UE, lembrando ainda, e de forma compassiva, o muito que têm feito!? 
A menos de um mês das eleições europeias, é sobre esta hipocrisia reinante no seio da UE, como acontece noutras instituições representativas dos cidadãos, e sobre aqueles que poderão vir a sentar-se nas cadeiras do Parlamento Europeu que se impõe uma profunda reflexão, antes de colocar a “cruz”.

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