terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

A respeito da salvação nacional

Recentemente um conjunto de notáveis veio a púbico defender um governo de salvação nacional, entenda-se, de bloco central. Em contracorrente, outras vozes se levantaram para criticar essa pretensão, tendo o veredicto final ficado a cargo do Presidente da República. Visse, o mais alto magistrado da nação, uma alternativa fiável à direita e talvez a decisão poderia, a prazo, ser outra.
A mais recente sondagem, feita pela Eurosondagem para o Porto Canal e semanário "Nascer do Sol", coloca o PS próximo dos 40% (39,3%), conseguindo o seu melhor resultado desde as legislativas de 2019. Mais: surge com quase a mesma percentagem do que toda a direita junta. Ora esta taxa de aprovação não parece indiciar uma crise de confiança no governo. Agora se alguma instabilidade puder ser anunciada, e tem havido sinais disso, ela só poderá ser assacada a António Costa e ao PS. Puxemos, então, a fita atrás.
A solução governativa encontrada na anterior legislatura, com um acordo parlamentar entre PS, BE, PCP e PEV, não tendo sido isenta de problemas, erros e até de algumas fricções entre parceiros, permitiu, contudo, paz social, devolução e aumento de rendimentos e alguns progressos sociais e económicos. Todavia, na recta final dessa legislatura, e após a aprovação do último orçamento de Estado, o PS começou a evidenciar o desejo de renovar o mandato, mas desta vez a solo. Pela voz de alguns dos seus barões, como Augusto Santos Silva ou Carlos César, começou uma campanha de hostilização aos seus parceiros, em particular ao BE. O PS apostava todas as fichas na maioria absoluta nas legislativas de 2019. Apostou e perdeu. É certo que cresceu, foi o partido mais votado, mas não conseguiu a tão ansiada maioria. Devido ao seu desastre eleitoral, o PCP colocou-se de fora de qualquer acordo escrito, e o PS recusou o apoio do BE na governação. À sua direita, António Costa descartou um entendimento com o PSD, batendo-lhe com a porta, quando numa entrevista ao Expresso, em Agosto do ano passado, afirmara que “No dia em que a subsistência deste governo depender de um acordo com o PSD, nesse dia o governo acabou”. Parece ter ficado escrito na pedra! A partir daqui começava uma governação do tipo ‘pesca à linha’. Para piorar a situação veio a pandemia. Seguiram-se as acusações de deserção à esquerda e de antipatriotismo à direita, fazendo lembrar a célebre expressão “Por que no te callas?”.
Entretanto, os dados da execução orçamental de 2020 vieram revelar, uma vez mais, uma prática corrente dos governos de António Costa: as cativações. Ficaram por executar cerca de 7000 milhões de euros do orçamento de Estado para esse ano, ao qual já se juntara um orçamento rectificativo. Não surpreende, depois, que o Serviço Nacional de Saúde continue longe de ter os equipamentos e profissionais de saúde de que urgentemente necessita, ou que a maioria dos computadores para os alunos mais carenciados, prometidos vai para um ano, continuem por ser entregues, só para dar dois exemplos. As consequências lesivas destas decisões estão à vista, mais aquelas que advirão. Sem dúvida que o país precisa de ser salvo. Mas isso não passa, a meu ver, por acordos engenhosos e calculistas entre os partidos do chamado arco de governação. A salvação nacional passa, sim, por investir mais no SNS, não só para dar resposta à pandemia, mas também a todas as consultas, exames e cirurgias adiadas. Face aos dois milhões de pobres, passa pelo robustecimento da Segurança Social. Passa pela dotação de mais recursos humanos e materiais na educação. Passa pelo combate à precarização, pelo investimento na qualificação profissional e pela melhoria de salários. Passa por reformas na administração pública, pelo investimento público e privado, pela melhoria da rede de transportes, pelo (sempre adiado) desenvolvimento do interior, pelo tão falado programa de transição energética que priorize os mais necessitados. Por outro lado, a salvação nacional passa igualmente pela imperatividade de o Estado se livrar do parasitismo e rentismo de alguns grupos económicos, bem como do sorvedouro de dinheiros públicos, particularmente pela banca. E mais haveria a acrescentar

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