terça-feira, 28 de outubro de 2025

Dos balanços ao elogio aos moderados


Se há partido que se pode vangloriar de uma vitória peremptória nas recentes eleições autárquicas, é o PSD. Todos os outros, com mais ou menos ganhos, não têm motivos para grandes festejos. No entanto, quer na noite das eleições, quer nos dias que se seguiram, não faltaram líderes partidários e comentadores a contabilizarem vitórias, num engenhoso exercício matemático. Há, entretanto, um outro balanço que importa aqui assinalar, e que tem a ver com os posicionamentos políticos à direita e à esquerda.
Tem sido curiosa a forma como o comentariado tem recorrido a alguns epítetos para classificar algumas destacadas figuras da política nacional. Se nalguns casos me parecem acertados, noutros são claramente exagerados e facciosos, com o claro propósito de debilitar ou mesmo aniquilar adversários políticos.
Sobre o posicionamento ideológico do Chega, do seu discurso xenófobo, de incentivo ao ódio, contra a Constituição, contra o regime e por aí adiante, o termo “radical” aplica-se-lhe bem, não por exagero, mas até por defeito. Nenhum outro partido encaixa neste perfil. Estudem os movimentos de extrema-direita ao longo da História, da sua ascensão ao poder e das consequências tenebrosas da sua governação nas sociedades que as viveram. O quadro não é bonito. Mas ainda há quem tenha (outros não) dúvidas e que insista em dourar a pílula. Faz lembrar a fábula do “não é não”.
Têm sido várias as vozes que amiúde têm apelidado de radical, quem simplesmente defende políticas que visam combater a discriminação e as desigualdades sociais, e a melhorar os serviços públicos e o bem-estar dos cidadãos. Entre outros, são exemplos visados o ex-secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos ou a ex-deputada Alexandra Leitão. Esta, tantas vezes designada por uma facção da comunicação social como líder de uma “frente esquerdista”, candidata à Câmara Municipal de Lisboa. Curiosamente, João Ferreira, candidato à mesma câmara pelo PCP, mereceu as maiores loas por parte dos mesmos! Não porque não as merecesse, mas porque foram estrategicamente hipócritas. Como sublinha Ana Fernandes, vocalista dos Capicua, “o neoliberalismo vigente tornou démodés os valores que a esquerda defende (a ideia de bem comum, a importância da igualdade, o dever de solidariedade humana, a universalidade de acesso aos bens e serviços básicos) privilegiando a competição e a não cooperação e pondo a ambição individual […] acima da sobrevivência colectiva (…)”. (JN, 14/10/2025)
Pressionados mais à sua direita e em clara disputa, PSD e CDS têm vindo paulatinamente a incorporar algumas das bandeiras do Chega. Por arrasto, também no PS alguns parecem ter descoberto a fórmula para recuperar ou manter eleitorado. Veja-se o exemplo do autarca de Loures, Ricardo Leão, que não se coibiu de atacar os mais desprotegidos para ter ganhos eleitorais. Aliás, juntamente com José Luís Carneiro ou António José Seguro, ambos têm tido um apoio, mais ou menos disfarçado, do aparelho comunicacional de direita. Estes dois são até designados de “moderados”, entenda-se, dóceis, alinhados com o mainstream. Luís Carneiro compromete-se em tudo fazer para evitar crises políticas, adoptando uma postura de colaboração, amaciando o seu papel e dever de oposição e de escrutínio da governação de Luís Montenegro. Anuncia uma “abstenção exigente” no Orçamento! O que é isso?! Para Pacheco Pereira, este é o resultado de uma vitória táctica da direita, ao fazer o PS interiorizar uma suposta crise dos socialistas. Como diz, “a ideia de que o PS tem perdido por causa de uma sua putativa radicalização e esquerdização entrou no lugar-comum, mas está longe de ser verdadeira.” (Público, 18/10/2025)
O PS tem de olhar, sim, para dentro e ouvir as vozes que querem simplesmente recuperar a sua matriz humanista e progressista, ou se preferirmos, social-democrata, e tornar-se numa oposição responsável, mas firme no combate àqueles que brandem as bandeiras discursivas e programáticas contra a igualdade de género, a diversidade cultural, os curricula escolares, contra uma distribuição equilibrada dos rendimentos, os direitos laborais, que pretendem, enfim, debilitar ainda mais o Estado Social.

quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Fala-me do último livro que leste

“Minha Pátria é minha língua. Pouco se me dá que
Portugal seja invadido, desde que não mexam comigo.”
Fernando Pessoa

Esta é uma interpelação que me ocorre fazer quando falo com algumas pessoas ou simplesmente as ouço. Acontece quando o nível do vocabulário empregue ou o conteúdo das conversas é paupérrimo.A percentagem de pessoas que lêem com maior ou menor regularidade continua longe do desejável. E no entanto, nunca, como agora, se publicou tanto. As plataformas digitais vieram exponenciar esta realidade. O problema está naquilo que se publica, melhor dizendo, o que se lê, as opções de leitura. Aqui entra a inegável importância da capacidade de discernir o que tem ou não qualidade, o que pode efectivamente contribuir para elevar o nosso nível cultural, o conhecimento do outro, a nossa consciência crítica e combater a acefalia crescente e virulenta que entorpece e embrutece os incautos. A oferta de bons escritores, géneros literários e temáticas é tão variada, o que nos permite concluir que não é por aí que se justifica um défice de leitura generalizado, verificado em diferentes grupos etários. A questão está na tão propalada necessidade/dificuldade de criar hábitos de leitura. Hábitos naturalmente decorrentes do prazer de ler. Pois, adquirido esse prazer, não tenho a menor dúvida de que nos tornamos leitores assíduos. Nalguns casos, compulsivos.
Segundo o relatório anual da OCDE Education at a Glance 2025, divulgado no início deste mês, quatro em dez portugueses entre os 25 e 64 anos só conseguem compreender textos simples e curtos. Portugal surge entre os países com níveis mais baixos de proficiência em literacia, apenas á frente do Chile. Semanas antes, a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros traçava igualmente um cenário preocupante, revelando que a média de livros lidos por pessoa baixara em 2024. Pois!
O despertar do interesse pela leitura deverá começar logo nos primeiros anos de vida da criança, ainda antes de entrar para a escola, através da leitura de histórias pelos seus progenitores. Fica difícil quando estes mesmos não têm o hábito ou interesse em ler, ou pior, quando preferem ocupá-los frente a um qualquer ecrã. A escola vai fazendo o possível para incentivar a leitura não só a nível disciplinar, mas também através de inúmeros projectos, alguns dos quais da iniciativa ou em parceria com as bibliotecas escolares. O mesmo se poderá dizer das bibliotecas municipais.
A outro nível podemos igualmente falar do Plano Nacional da Leitura (PNL). Criado em 2006, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2006, de 12 de Julho, justifica-se, logo no início do texto, como tratando-se de “uma resposta institucional à preocupação pelos níveis de literacia da população em geral e em particular dos jovens, significativamente inferiores à média europeia.” Logo de seguida acrescenta: “Concretiza-se num conjunto de estratégias destinadas a promover o desenvolvimento de competências nos domínios da leitura e da escrita, bem como o alargamento e aprofundamento dos hábitos de leitura, designadamente entre a população escolar.” Numa publicação do Público (19/05/2025), a comissária do PNL, Regina Duarte, resumia a valor da leitura e o caminho a tomar para que ela se consolidasse, da seguinte forma: “A leitura por prazer não é um luxo. É uma via essencial para formar leitores autónomos – leitores que lêem porque querem, e não apenas porque têm de o fazer. Essa leitura só floresce num currículo que valorize a diversidade, a escolha e o acesso efectivo aos livros. A liberdade de leitura constrói-se com base sólida: leituras exigentes, sim, mas também leituras por deleite, mediadas com inteligência, sensibilidade e rigor. Só assim se formarão leitores completos – críticos e apaixonados -, dos quais o mundo actual tanto necessita.”
Apesar deste trabalho de cerca de duas décadas, do esforço de vários profissionais da educação, ainda há um longo percurso a palmilhar, no sentido de convencer da importância da leitura. Mais ainda quando vemos a nossa língua, a nossa pátria no sentido pessoano do termo, a ser frequentemente mal tratada, seja nas redes sociais, seja na praça pública. Essa fábula de que temos a geração mais bem preparada de sempre cria alguma perplexidade. Quando temos jovens com dificuldades em escrever e/ou interpretar um simples texto ou em manifestarem uma opinião crítica sobre um determinado tema, onde é que está essa famigerada preparação?
A mexicana Elisa Guerra, uma das vozes mais influentes na Educação na América Latina, alerta para aquilo que diz ser uma “crise global de aprendizagem” que vivemos, defendendo que “a escola tem de ser um lugar onde as crianças desenvolvem realmente o seu potencial”. Numa entrevista ao DN (25/04/2025), a educadora recorda que “uma criança, um jovem, que é um bom leitor, vai aprender até sozinho, mesmo que o resto falhe.” E termina com uma verdade insofismável: “ Alguém que é um bom leitor poderá ser realmente um aprendiz ao longo da vida. Se queremos aprendizes para a vida toda, precisamos de leitores para a vida toda.”
Boas leituras!