Se há partido que se pode vangloriar de uma vitória peremptória nas recentes eleições autárquicas, é o PSD. Todos os outros, com mais ou menos ganhos, não têm motivos para grandes festejos. No entanto, quer na noite das eleições, quer nos dias que se seguiram, não faltaram líderes partidários e comentadores a contabilizarem vitórias, num engenhoso exercício matemático. Há, entretanto, um outro balanço que importa aqui assinalar, e que tem a ver com os posicionamentos políticos à direita e à esquerda.
Tem sido curiosa a forma como o comentariado tem recorrido a alguns epítetos para classificar algumas destacadas figuras da política nacional. Se nalguns casos me parecem acertados, noutros são claramente exagerados e facciosos, com o claro propósito de debilitar ou mesmo aniquilar adversários políticos.
Sobre o posicionamento ideológico do Chega, do seu discurso xenófobo, de incentivo ao ódio, contra a Constituição, contra o regime e por aí adiante, o termo “radical” aplica-se-lhe bem, não por exagero, mas até por defeito. Nenhum outro partido encaixa neste perfil. Estudem os movimentos de extrema-direita ao longo da História, da sua ascensão ao poder e das consequências tenebrosas da sua governação nas sociedades que as viveram. O quadro não é bonito. Mas ainda há quem tenha (outros não) dúvidas e que insista em dourar a pílula. Faz lembrar a fábula do “não é não”.
Têm sido várias as vozes que amiúde têm apelidado de radical, quem simplesmente defende políticas que visam combater a discriminação e as desigualdades sociais, e a melhorar os serviços públicos e o bem-estar dos cidadãos. Entre outros, são exemplos visados o ex-secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos ou a ex-deputada Alexandra Leitão. Esta, tantas vezes designada por uma facção da comunicação social como líder de uma “frente esquerdista”, candidata à Câmara Municipal de Lisboa. Curiosamente, João Ferreira, candidato à mesma câmara pelo PCP, mereceu as maiores loas por parte dos mesmos! Não porque não as merecesse, mas porque foram estrategicamente hipócritas. Como sublinha Ana Fernandes, vocalista dos Capicua, “o neoliberalismo vigente tornou démodés os valores que a esquerda defende (a ideia de bem comum, a importância da igualdade, o dever de solidariedade humana, a universalidade de acesso aos bens e serviços básicos) privilegiando a competição e a não cooperação e pondo a ambição individual […] acima da sobrevivência colectiva (…)”. (JN, 14/10/2025)
Pressionados mais à sua direita e em clara disputa, PSD e CDS têm vindo paulatinamente a incorporar algumas das bandeiras do Chega. Por arrasto, também no PS alguns parecem ter descoberto a fórmula para recuperar ou manter eleitorado. Veja-se o exemplo do autarca de Loures, Ricardo Leão, que não se coibiu de atacar os mais desprotegidos para ter ganhos eleitorais. Aliás, juntamente com José Luís Carneiro ou António José Seguro, ambos têm tido um apoio, mais ou menos disfarçado, do aparelho comunicacional de direita. Estes dois são até designados de “moderados”, entenda-se, dóceis, alinhados com o mainstream. Luís Carneiro compromete-se em tudo fazer para evitar crises políticas, adoptando uma postura de colaboração, amaciando o seu papel e dever de oposição e de escrutínio da governação de Luís Montenegro. Anuncia uma “abstenção exigente” no Orçamento! O que é isso?! Para Pacheco Pereira, este é o resultado de uma vitória táctica da direita, ao fazer o PS interiorizar uma suposta crise dos socialistas. Como diz, “a ideia de que o PS tem perdido por causa de uma sua putativa radicalização e esquerdização entrou no lugar-comum, mas está longe de ser verdadeira.” (Público, 18/10/2025)
O PS tem de olhar, sim, para dentro e ouvir as vozes que querem simplesmente recuperar a sua matriz humanista e progressista, ou se preferirmos, social-democrata, e tornar-se numa oposição responsável, mas firme no combate àqueles que brandem as bandeiras discursivas e programáticas contra a igualdade de género, a diversidade cultural, os curricula escolares, contra uma distribuição equilibrada dos rendimentos, os direitos laborais, que pretendem, enfim, debilitar ainda mais o Estado Social.
Sem comentários:
Enviar um comentário