quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Fala-me do último livro que leste

“Minha Pátria é minha língua. Pouco se me dá que
Portugal seja invadido, desde que não mexam comigo.”
Fernando Pessoa

Esta é uma interpelação que me ocorre fazer quando falo com algumas pessoas ou simplesmente as ouço. Acontece quando o nível do vocabulário empregue ou o conteúdo das conversas é paupérrimo.A percentagem de pessoas que lêem com maior ou menor regularidade continua longe do desejável. E no entanto, nunca, como agora, se publicou tanto. As plataformas digitais vieram exponenciar esta realidade. O problema está naquilo que se publica, melhor dizendo, o que se lê, as opções de leitura. Aqui entra a inegável importância da capacidade de discernir o que tem ou não qualidade, o que pode efectivamente contribuir para elevar o nosso nível cultural, o conhecimento do outro, a nossa consciência crítica e combater a acefalia crescente e virulenta que entorpece e embrutece os incautos. A oferta de bons escritores, géneros literários e temáticas é tão variada, o que nos permite concluir que não é por aí que se justifica um défice de leitura generalizado, verificado em diferentes grupos etários. A questão está na tão propalada necessidade/dificuldade de criar hábitos de leitura. Hábitos naturalmente decorrentes do prazer de ler. Pois, adquirido esse prazer, não tenho a menor dúvida de que nos tornamos leitores assíduos. Nalguns casos, compulsivos.
Segundo o relatório anual da OCDE Education at a Glance 2025, divulgado no início deste mês, quatro em dez portugueses entre os 25 e 64 anos só conseguem compreender textos simples e curtos. Portugal surge entre os países com níveis mais baixos de proficiência em literacia, apenas á frente do Chile. Semanas antes, a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros traçava igualmente um cenário preocupante, revelando que a média de livros lidos por pessoa baixara em 2024. Pois!
O despertar do interesse pela leitura deverá começar logo nos primeiros anos de vida da criança, ainda antes de entrar para a escola, através da leitura de histórias pelos seus progenitores. Fica difícil quando estes mesmos não têm o hábito ou interesse em ler, ou pior, quando preferem ocupá-los frente a um qualquer ecrã. A escola vai fazendo o possível para incentivar a leitura não só a nível disciplinar, mas também através de inúmeros projectos, alguns dos quais da iniciativa ou em parceria com as bibliotecas escolares. O mesmo se poderá dizer das bibliotecas municipais.
A outro nível podemos igualmente falar do Plano Nacional da Leitura (PNL). Criado em 2006, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2006, de 12 de Julho, justifica-se, logo no início do texto, como tratando-se de “uma resposta institucional à preocupação pelos níveis de literacia da população em geral e em particular dos jovens, significativamente inferiores à média europeia.” Logo de seguida acrescenta: “Concretiza-se num conjunto de estratégias destinadas a promover o desenvolvimento de competências nos domínios da leitura e da escrita, bem como o alargamento e aprofundamento dos hábitos de leitura, designadamente entre a população escolar.” Numa publicação do Público (19/05/2025), a comissária do PNL, Regina Duarte, resumia a valor da leitura e o caminho a tomar para que ela se consolidasse, da seguinte forma: “A leitura por prazer não é um luxo. É uma via essencial para formar leitores autónomos – leitores que lêem porque querem, e não apenas porque têm de o fazer. Essa leitura só floresce num currículo que valorize a diversidade, a escolha e o acesso efectivo aos livros. A liberdade de leitura constrói-se com base sólida: leituras exigentes, sim, mas também leituras por deleite, mediadas com inteligência, sensibilidade e rigor. Só assim se formarão leitores completos – críticos e apaixonados -, dos quais o mundo actual tanto necessita.”
Apesar deste trabalho de cerca de duas décadas, do esforço de vários profissionais da educação, ainda há um longo percurso a palmilhar, no sentido de convencer da importância da leitura. Mais ainda quando vemos a nossa língua, a nossa pátria no sentido pessoano do termo, a ser frequentemente mal tratada, seja nas redes sociais, seja na praça pública. Essa fábula de que temos a geração mais bem preparada de sempre cria alguma perplexidade. Quando temos jovens com dificuldades em escrever e/ou interpretar um simples texto ou em manifestarem uma opinião crítica sobre um determinado tema, onde é que está essa famigerada preparação?
A mexicana Elisa Guerra, uma das vozes mais influentes na Educação na América Latina, alerta para aquilo que diz ser uma “crise global de aprendizagem” que vivemos, defendendo que “a escola tem de ser um lugar onde as crianças desenvolvem realmente o seu potencial”. Numa entrevista ao DN (25/04/2025), a educadora recorda que “uma criança, um jovem, que é um bom leitor, vai aprender até sozinho, mesmo que o resto falhe.” E termina com uma verdade insofismável: “ Alguém que é um bom leitor poderá ser realmente um aprendiz ao longo da vida. Se queremos aprendizes para a vida toda, precisamos de leitores para a vida toda.”
Boas leituras!

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